quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O tempo não volta

Francesco Costa - Como acabamos de inaugurar mais um ano, quero convidar a todos, principalmente aos mais jovens, para uma reflexão. Mas antes de ler este artigo, crie na sua imaginação um cenário e um personagem. O cenário deve ser um barraco muito pobre, sem as menores condições para uma pessoa, principalmente idosa, viver. Longe de tudo, sem amigos ou parentes. O personagem é você, mas não como você está agora e sim um velho com mais de 80 anos, magro, doente e solitário, muito solitário.

Se você não tiver tempo de ler com muita concentração, não leia agora; espere um momento adequado. Se puder ler, agora vá para um lugar solitário, sente-se, recoste confortavelmente, imagine o cenário e o personagem, sugerido anteriormente, e boa leitura.

Hoje parei para pensar. Pensar no tempo que se foi e não volta. Pensar naquilo que não fiz e não posso mais. Pensar no que outrora me excitava e hoje nem mais me interessa!

Hoje estou assim, à mercê de mim mesmo. Tudo o que foi já não é mais. Tudo o que sobrou agora me falta. Antes corria olhando ao léu; hoje ando juntando pedaços.

Hoje pensei no ontem, e me lembrei que não pensava no amanhã. Porém, o amanhã chegou como visita inesperada, e agora tento adiá-lo e temo ante a impossibilidade de refazer o que não fiz.

Como me expor ao sol, se árvores não plantei? Como aquentar o frio, se abrigo algum edifiquei?

Hoje minhas forças se esvaem e minha tuia está vazia. Claro, não plantei nem estoquei alimentos! Gostaria de saber, mas não quis aprender! Quero ganhar, mas como, se nunca dei?!

Sinto falta de um abraço, mas, quando pude, a ninguém abracei. Como queria um afago! Mas lembro que a ninguém dei.

Vou na vida caminhando trôpego pelo cansaço, se minhas pernas me levam quando ando me embaraço, vou contemplando os destroços e só vejo meus fracassos. Ainda bem que vista é fraca, senão via mais desgraças.

Um tempo, me lembro, quis ser bom, mas a vida não ajudou. Me deu sopapos na cara, o desgosto me tomou; amigos que dei a mão no buraco me jogaram. Passavam a passos largos, riam do meu fracasso e na vala me deixaram.

Consegui com muito esforço minha vida refazer. Por caminhos pedregosos eu tentava percorrer, tendo a brisa com afago tomando de um mel amargo para feliz parecer.

Queixar-me? Nunca podia, para não demonstrar ser fraco. Enquanto pude me fiz de forte com a ignorância de um macho, mas hoje sou o que você vê: um cerne a apodrecer, um resto que incomoda. Já estou a caminho da cova, só falta me enterrar.

Tentei deixar bons exemplos, mas não achei quem os seguissem. O que vi se hoje conto parece histórias ou tolice. Minhas experiências vão pra cova como um livro vai pro lixo. “Conselho de velho não serve”, um jovem um dia me disse. São lorotas, mau agouros, frutos da caduquice.

Gostaria de revê-los, mas sei que não posso mais. Já dobrei todas as esquinas e a vida não volta atrás. Tentei nunca escrever isto. Brinque, goze sua meninice, mas cuidado, bom rapaz.

Um comentário:

Anônimo disse...

Essa doeu... já imagíno meu amanhã. Parabens pela reflexão. ARIMATEIA JR-Imperatriz-Ma.