O engenheiro florestal Cristovam Sena empresta seu conhecimento em artigo publicado originalmente no Blog 5ª Emenda, do economista, jornalista e publicitário Juvêncio de Arruda, ferrenho opositor da criação do novo estado.
A ordem natural da vida
* Cristovam Sena
Venho acompanhando através do Quinta Emenda a democrática discussão sobre a divisão do Pará e a criação de novos estados, agora mais efervescente do que nunca. Resolvi participar dessa discussão expondo o que penso sobre esse conflito de interesses regionais envolvendo o sul/sudeste do Pará e a metrópole.
Procurarei fugir da armadilha das “listas de abaixo assinados” e dos “estudos encomendados”, geralmente contestados por quem se vê prejudicado pelos números e conclusões apresentados por eles. Não por considerá-los desnecessários nesse embate que travam grupos político-econômicos, mas porque desejo me posicionar analisando por outro prisma. Um ponto de vista mais sentimental do que técnico.
O que vou escrever agora todo paraense sabe ou deveria saber, mas é sempre bom relembrar. No início, nossa metrópole administrava um Estado gigantesco, o Estado do Grão-Pará, integrado pelas regiões dos atuais estados do Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão e Piauí, com capital em Belém.
Em 20 de agosto de 1772 essa imensidão de terra foi dividida em duas regiões administrativas: Estado do Grão-Pará e Rio Negro, com capital em Belém, e Estado do Maranhão e Piauí, com capital em São Luís. Em 5 de setembro de 1850 nova divisão: o Grão-Pará foi desmembrado em duas unidades, a Província do Amazonas e a Província do Pará, que seriam denominadas como estados após a Proclamação da República. Mesmo desmembrados continuaram gigantes no tamanho, representando mais de um terço do território brasileiro. Ainda ocorreram outras subdivisões menores e, numa delas, foi desmembrado o Amapá do Pará.
Alguém pode perguntar por que essas divisões acontecem. O geógrafo Eidorfe Moreira nos ensina que o homem e a natureza são expressões completamente indissociáveis, que as regiões geográficas são entidades vivas, por isso crescem, desenvolvem-se, evoluem, emancipam-se. Ficarei com essa explicação do mestre, deixando de lado as lições que envolvem a geopolítica ou coisa parecida.
A população da região que contém a bacia do Tapajós e o Médio Amazonas e que hoje pleiteia adquirir o status de Estado, nesses anos todos que se passaram desde a chegada dos jesuítas em meados do século XVII, cresceu, desenvolveu-se, evoluiu e agora quer emancipar-se. Naturalmente, como acontece nas famílias com a emancipação dos filhos.
Na família, os pais investem nos filhos pensando nas suas emancipações. A partir dessa data são eliminadas despesas e os pais, muitas das vezes, dão graças a Deus pela suas saídas de casa. Quando é uma filha, na brincadeira, chegam a dizer que descontaram uma promissória. Mesmo os filhos sendo bem tratados pelos pais um dia emancipam-se. É um dia de festa para eles. Saem felizes e vão constituir uma nova família. É a ordem natural da vida.
Se os filhos bem tratados pelos pais já trazem na alma o germe da emancipação arraigado ao peito, imaginem como deve ser esse sentimento no peito de um filho maltratado. Principalmente se ele participa ativamente na formação da riqueza da família, e assiste inerme e inerte o pai dissipar essa riqueza alimentando extravagantes caprichos pessoais.
Essa conversa que a emancipação da região não passa de esperteza de políticos é papo furado. Mesmo que fosse, eles passam e o estado fica. Ela representa sim um sentimento que é fruto do próprio desenvolvimento da região e que vem de muito longe, alimentada anos a fio pela indiferença da metrópole perdulária.
Sei que não é fácil a metrópole aceitar a emancipação como fato natural e não esquartejamento do território paraense. Deveriam muito bem saber que a chegada dessa realidade vinha sendo adiada, agora só resta encará-la.
Em 1877 foi lançado o livro do admirável escritor obidense Inglês de Sousa, “O coronel sangrado – cenas da vida do Amazonas”. No terceiro capítulo do livro, o personagem Miguel descreve uma viagem sua de Belém até Óbidos. Miguel faz pequenos comentários sobre os pontos em que o paquête “Madeira” ia atracando durante a viagem:
“Durante os três dias que durou a viagem tocamos em diversas vilas e cidadezinhas do interior – Breves com as suas casinhas de sobrado, a sua ponte de desembarque, sua indústria de objetos de barro; Gurupá com sua encantadora colina e a fortaleza; Porto de Mós, à margem do Xingu, com a sua linda praia; Prainha; Monte Alegre, donde se goza do mais admirável panorama, e onde se bebe excelente água; Santarém, a rica, a florescente, a soberba rainha do Tapajós, futura capital do Baixo-Amazonas, e finalmente Alenquer.”
Maktub!
* Cristovam Sena é engenheiro florestal
sábado, 18 de agosto de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Meus parabéns Valdir, por colocar um artigo sobre a criação do estado de Carajás, através deste autor, que expõe seu posicionamento sem entrar em picuinhas políticas, uma opinião sóbria e voltada a um fato lógico que é desenvolvimento natural de toda a sociedade.
Realmente sao contra a criacao deste estado somente as pessoas que nao vivem o descaso que vivemos aqui no sul do "Pará"... abandonas a nossa propria sorte!
Postar um comentário