Fotos: Waldyr Silva
As diversas atividades relativas aos 15 anos do massacre de Eldorado do Carajás tiveram destaque com a caminhada de centenas de trabalhadores rurais, a maioria formada por jovens, na manhã do último domingo (17), saindo do Assentamento 17 de Abril para a Curva do S, numa extensão de 21 quilômetros.
Durante todo o percurso da caminhada, que chegou às 10h15 na Curva do S, onde em 17 de abril de 1996 dezenove trabalhadores foram executados pela Polícia Militar, os participantes do ato entoavam gritos de “liberdade” e “fora a burguesia”, exibindo bandeiras e faixas para o alto. A Polícia Rodoviária Estadual acompanhou o cortejo da saída do PA 17 de Abril, na rodovia PA-275, até o Bairro Km 100, centro de Eldorado, sem nenhuma anormalidade.
Na Curva do S, as atividades se limitaram a celebração de missa campal pelo bispo diocesano de Marabá, dom José Foralosso, e ato político, com a intervenção de lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), políticos, entre estes a senadora Marinor Brito (Psol-PA), a deputada estadual Bernadete ten Caten (PT), o prefeito de Eldorado do Carajás, Genival Diniz Gonçalves; o coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, entre outros.
Na tarde de domingo (17), houve partida amistosa de futebol entre seleção do MST x Águia de Marabá, almoço em confraternização com os movimentos sociais e à noite shows com Zeca Tocantins, Socorro Lima, Clauber Martins e Pereira da Viola. No jogo de futebol, Águia fez 4 a 1 na seleção dos trabalhadores sem-terra.
LUTA CONTINUA
Em declarações à reportagem, Tito Moura, da coordenação nacional do MST, assegura que o movimento insiste na luta junto com a sociedade paraense pela condenação dos mandantes do massacre de Eldorado do Carajás.
Ele lamenta que o processo de desapropriações de terra no Pará seja tão lento. Mas agora, com o agrônomo e matemático Celso Lacerda na presidência do Incra, “estamos muitos esperançosos que ele agilize nossa pauta no Estado do Pará de assentamento das famílias que estão acampadas há vários anos à espera de terra para trabalhar”.
Para o coordenador do MST, o governo tem que se alertar e acelerar o processo da reforma agrária no país, para que acabe com as mortes no campo. Tito Moura revela que hoje no Pará há em torno de 3 mil famílias assentadas e cerca de 5 mil acampadas esperando por terra. Muitas dessas famílias estão acampadas há 8 anos.
TRISTE MARCO
José Batista Afonso, advogado da CPT e assessor jurídico do MST, considera que o massacre de Eldorado do Carajás é um triste marco na história da luta camponesa no Estado do Pará e no Brasil.
Para o advogado, a luta dos movimentos sociais na região tem duas fases: antes e depois do massacre de Eldorado. Até essa tragédia, explica, as ações de reforma agrária corriam de forma muito lenta e com uma forte oposição do estado para que o processo não andasse.
Após o massacre, houve um processo de união muito forte entre os movimentos sociais que atuam na região, forçando o estado a desenvolver uma série de ações e com isso houve um avanço significativo nos assentamentos de muitas famílias, observa.
Por outro lado, ele diz que uma medida provisória do governo Lula que se transformou em lei, determinando que o Incra não faça vistoria em imóveis ocupados, “soa como uma espécie de salvo-conduto para os latifúndios improdutivos”, destaca José Batista, revelando que hoje no Pará existem cerca de 130 fazendas ocupadas desde o governo FHC, sem que a situação de desapropriação seja resolvida.
O causídico enfatiza que, infelizmente, o massacre de Eldorado não diminuiu o ciclo de violência contra camponeses aqui na região. Segundo ele, nestes 15 anos após o massacre foram assassinados 205 trabalhadores no Estado do Pará.
José Batista lamenta que os policiais militares mandantes do massacre ainda estejam em liberdade. “O pior de tudo isso é que o Tribunal de Justiça do Estado e o Supremo Tribunal de Justiça gastaram 9 anos para julgar apenas dois recursos, um de apelação e o outro especial. Nesse ritmo, fica difícil prevê se e quando os acusados vão ser punidos”, reclama.
Nos últimos anos, ainda de acordo com o assessor jurídico do MST, a justiça só fez nove julgamentos de mandantes de crime contra trabalhadores rurais no Pará. Desses 9 casos, oito foram condenados e um absolvido. Dos oito condenados, apenas um cumpre pena, que é o fazendeiro Vital Lima de Moura, condenado pela morte da missionária Dorothy Stang. Os demais estão foragidos ou foram beneficiados por recursos da justiça.
MÁRTIRES
O colono Raimundo dos Santos Gouveia, 52 anos, diz lamentar profundamente a morte dos 19 trabalhadores na Curva do S. Mas entende que foi após a morte desses mártires que o governo agilizou o assentamento das 690 famílias no PA 17 de Abril, que hoje conta com uma boa escola, posto de saúde e outras estruturas.
“Só venho aqui na Curva do S de ano em ano. Mas quando chego aqui eu sinto a dor de ter perdido os companheiros. Mas a luta continua, pois existe muita terra, poucas famílias assentadas e muitas ainda acampadas”, contemporiza.
EMOÇÃO
No momento em que a missa era celebrada, dona Luzia Lopes Pereira acendia velas para o filho dela, Raimundo Lopes Pereira, uma das 19 vítimas que foram executadas pela polícia no dia 17 de abril de 1996.
Visivelmente emocionada, no momento em que acendia cada vela em memória do filho Luzia Pereira dizia que todas as vezes que vai até a Curva do S ela sente a dor de ter perdido Raimundo Pereira naquele fatídico dia de confronto entre MST e polícia.
AGRONEGÓCIO
Na opinião de João Pedro Stedile, coordenador nacional do MST, o agronegócio no país está derrotado. Mas ele diz esperar que a presidente Dilma Rousseff inverta esta situação. “O MST está conversando com a presidente da República para que ela acelere o processo de desapropriação no país e instale indústria de agronegócio nos assentamentos”, explica.
Segundo o coordenador, só no assentamento 17 de Abril, por exemplo, são produzidos até 30 mil litros de leite, mas esse produto é comercializado in natura. Então, é preciso que essa produção seja industrializada para abastecer e aquecer o mercado na região.
Pedro Stedile aponta outra situação que ele considera precária no Brasil, que é o Poder Judiciário, para ele, antidemocrático. “A gente elege prefeitos, governadores e presidente, mas não elegemos juízes. Mas o MST vai continuar lutando até que o último latifúndio seja desapropriado e distribuído para os trabalhadores rurais”.
SEQUELAS
O agricultor Germano Pereira Costa conta para a reportagem que no dia do massacre ele foi baleado na perna esquerda, derrubado e chutado até desmaiar, e depois levado para o hospital, onde foi submetido a cirurgia na perna, que até hoje ele dizer sofrer com dores e dormência.
“Mas o Governo do Estado me dá uma pensão de 308 reais por mês”, confessa, numa espécie de consolo, afirmando que todas as vezes que passa no local do massacre vem à lembrança aquele triste dia do massacre, “e isso sempre me deixa bastante emocionado”.
DIREITOS
Presente nas manifestações, a senadora Marinor Brito declarou que estava ali para protestar contra a falta de políticas voltadas para a promoção da reforma agrária neste país. “Infelizmente, nossa região tem contribuído com os piores índices do país em assassinatos de trabalhadores rurais, trabalho escravo e prostituição infanto-juvenil. E o pior de tudo isso é que os culpados não estão na cadeia respondendo pelos crimes que cometeram”.
Segundo Marinor, ela encaminhou ao Governo do Estado reforço na pauta dos movimentos sociais para que as famílias que sobreviveram ao massacre de Eldorado do Carajás não continuem sofrendo as consequências com a falta de saúde e de assistência social.
“Chega de impunidade, pois a violência gera impunidade e esta gera violência, e as autoridades têm que fazer valer os direitos institucionais do povo trabalhador”, preconiza.
MUITA TERRA
Para o bispo diocesano de Marabá, dom José Foralosso, a reforma agrária no Brasil já deveria ter sido feita em outros moldes diferentemente da maneira como vem sendo tentada nos últimos anos.
Em sua avaliação, há muitas arbitrariedades tanto do lado dos governos, justiça, latifundiários e também das pessoas interessadas com relação às ocupações e invasões de terra e na demora no processo de desapropriação.
“Esse processo não me parece uma maneira civilizada entre as partes, pois ao longo dos anos temos presenciado muitas mortes no campo”, observa o bispo, adicionando que existe muita terra neste país nas mãos de poucos que deveria estar nas mãos de quem produz alimentos para a população. “No caso do massacre de Eldorado, entendo que houve excesso do lado da polícia e também dos sem-terra”, finaliza.
(Waldyr Silva, Correio do Tocantins)