De cada dez moradores do Acre, um virou divulgador
da Telexfree. São cerca de 700 mil habitantes no estado, e 10% deles aderiram
ao negócio, segundo estimativa do Ministério Público Estadual (MPE/AC).
Desde que a empresa foi proibida de operar e teve
seus bens bloqueados, por suspeita de formação de pirâmide financeira, isso
tornou-se um dos principais assuntos nas ruas das 22 cidades acreanas.
Alguns com medo de perder o que investiram, outros
envergonhados, ou instruídos pela empresa, poucos concedem entrevistas, e
quando aceitam não querem ter seu nome ou foto divulgados.
A promotora de Justiça de Defesa do Consumidor do
Ministério Público no Acre, Alessandra Marques, conta que tem sido procurada
por pessoas desesperadas. “Veio um senhor chorando, dizendo que o filho o havia
convencido a vender casa e carro para investir R$ 160 mil na Telexfree”, conta.
No país inteiro, estima-se que mais de 1 milhão de
pessoas tenham investido suas economias na empresa. O MP disse que não há
previsão de quando a Justiça irá resolver o caso.
Dona
de casa vendeu casa e limpou conta no banco
A dona de casa Maria Olcione, 38 anos, moradora de
Brasiléia (AC), a 234 km de Rio Branco, vendeu a casa em que morava com a
família e limpou as economias no banco para investir cerca de R$ 30 mil na
Telexfree.
Ela conheceu o negócio por meio de amigos e
familiares, e aderiu em novembro de 2012, pela internet. “Vi que todos se davam
bem, então resolvi entrar”.
Conseguiu convencer outros 15 divulgadores e, por
isso, não pagava mensalidade no negócio. O primeiro retorno do investimento
veio em janeiro e nos quatro meses seguintes. Ela diz ter recebido de volta
cerca de R$ 10 mil.
Sem casa própria, ela passou a morar com o marido e
os três filhos em um imóvel alugado por R$ 450 ao mês. Com o dinheiro da
Telexfree, pagava o aluguel e a faculdade do filho, que estuda medicina na
Bolívia.
“A Telexfree foi um anjo”, diz. “Estava tudo indo
muito bem, mas agora não tenho nem o que comer. Acabei de buscar um pacote de
arroz na casa da minha irmã para almoçar, porque não temos mais dinheiro”,
declara.
As contas da família não fecham mais: estão
atrasados o aluguel e a conta de luz (três meses). A faculdade do filho também
não está sendo paga. “Estamos desesperados”, lamenta.
Teria mais dinheiro a receber, segundo foi informada
pela empresa, mas isso não estaria ocorrendo devido à suspensão das atividades
pela Justiça. Mesmo assim, ela diz não ter se arrependido de entrar no negócio,
afirmando que o bloqueio foi por determinação judicial, não por vontade da
empresa.
“Vi que todas as pessoas que entravam se davam bem.
É apostar no escuro. Resta-me apenas esperar. Passo 24 horas pensando como será
minha vida”.
Eletricista
tomou emprestado R$ 3.000 de agiota
O eletricista Sebastião Domingos, 30, morador também
de Brasileia (AC), diz ter tomado R$ 3.000 emprestados de um agiota, com juros
de 10% ao mês, para fazer parte da Telexfree. Na semana em que embolsaria o
lucro, a Justiça suspendeu as operações da empresa.
“Meu salário não dá para cobrir esse empréstimo.
Entrei na empresa porque vi que era legalizada, mas agora estou a ponto de
enlouquecer. Se me devolvessem pelo menos os R$ 3.000, eu estava satisfeito”,
apela.
Mecânico
mudou de vida e realizou ’99% dos sonhos’
Um homem de 35 anos, que pediu para não ser
identificado, conta que deixou a profissão de mecânico após aderir à Telexfree.
Ele não informa quanto investiu, mas diz que recuperou tudo e ainda obteve lucro.
Com esse dinheiro, afirma que conseguiu pagar um empréstimo bancário de R$ 50
mil e viajar com a família.
“A empresa é fantástica. Realizei 99% dos meus
sonhos”, disse. “Agradeço a Deus pela oportunidade e quero bastante que os
serviços voltem”.
Oficial
de Justiça vira ‘herói’ no Acre
O oficial de justiça Shawke Lira, 36 anos, tornou-se
uma figura conhecida no Acre e uma espécie de “herói” para os divulgadores da
Telexfree no estado. Ele foi um dos primeiros a entrar no negócio, e tem mais
de 51 mil pessoas cadastradas em sua rede.
Em seu perfil no Facebook, Lira diz ter conseguido
dinheiro suficiente para viver bem e poder ajudar seus familiares. Pessoas
próximas dizem que Shawke ganhou mais de R$ 1 milhão, mas ele nunca comentou os
valores absolutos. A reportagem do UOL tentou entrar em contato com Lira, mas
não obteve resposta.
“A Telexfree faz parte da minha história de mudança
de vida, de realização dos meus sonhos e de toda minha família. Portanto,
estarei com ela até uma decisão definitiva. Não importa o tempo que tenha que
esperar. Estarei com a Telex, pois não vai doer mais do que a dor atual esperar
um pouco mais”, escreveu em seu perfil no Facebook.
Comerciantes
reclamam da queda nas vendas
O comércio do Acre tem sentido o efeito do bloqueio
das operações da Telexfree e dos bilhões de reais retidos pela Justiça. O
presidente da Associação Comercial e Industrial (Acisa), Jurilande Aragão,
revelou que empresários reclamam que diminuiu a circulação do dinheiro no Acre.
“Fizemos reuniões com os comerciantes sobre uma
possível crise, mas não podemos fazer nada. O comércio está sentindo e o
reflexo será demorado”, disse. Ele estima que a queda no comércio em todo o estado
tenha sido de quase 30%. (Ana Paula
Batalha, UOL Notícias)
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