Por Dioclécio Luz (assessor parlamentar na Câmara
dos Deputados, Brasília)
O relatório do GTI omitiu a existência desse “balcão
de negócios”. No entanto, estudo desenvolvido por Cristiano Lopes e Venício
Lima (“Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004): as autorizações de
emissoras como moeda de barganha política”), mostra que ele existe ou existiu,
pelo menos no período. O estudo mostra como a Igreja Católica tem abocanhado
concessões de RCs:
No
total, em 120 (5,4%) rádios comunitárias pesquisadas foi encontrado algum tipo
de vínculo religioso. O domínio de vínculos pela religião católica é notável.
Dessas 120 rádios, 83 (69,2%) eram ligadas à igreja católica, 33 (27,5%) a
igrejas protestantes, duas (1,66%) a ambas, uma à doutrina espírita (0,8%) e uma
(0,8%) ao umbandismo. (LIMA, V.; LOPES, 2007).
Esse mesmo estado, tão rigoroso no fechamento de
emissoras não autorizadas, fecha os olhos à lei e distribui autorizações para seus
aliados políticos e religiosos. A Lei 9.612/98 – artigo 4º e artigo 11 – veda
às religiões o comando de rádios comunitárias, mas o governo, contraindo essa
lei, distribuiu autorizações para os religiosos. Eis dois exemplos, com dados
oficiais:
Processo
nº 53770.000456/99. Licença Definitiva para a “Associação Comunitária Nossa
Senhora de Copacabana”, localizada na Rua Hilário Gomes, 36, Copacabana, Rio de
Janeiro. No local funciona a Igreja Nossa Senhora de Copacabana. (fonte:
Ministério das Comunicações).
Conclusão: embora autorizada, a rádio está sob o
comando da Igreja Católica.
Processo
nº 53000.000210/00. Autorização concedida à “Associação de Assistência Social
Casa da Bênção”, localizada, de acordo com o MC, à Área Especial 5 - Setor F
Sul Taguatinga Sul, Distrito Federal. A Catedral da Casa Bênção funciona no
mesmo endereço, com o nome de fantasia de “Rádio ondas da bênção” (http://www.catedraldabencao.org.br).
(fonte: Ministério das Comunicações).
Conclusão: embora autorizada, a rádio está sob o
comando da Igreja Evangélica Casa da Bênção.
Para os autores do estudo, essa forma de
distribuição de outorgas de rádios comunitárias é “um comportamento que remonta
ao velho estado patrimonialista, no qual não havia limite entre o público e o
privado e os patrimônios do estado e do governante terminavam por se misturar”.
Foi visto que:
Dos
1.106 casos detectados em que havia vínculo político, exatos 1.095 (99%) eram
relativos a um ou mais políticos que atuam em nível municipal. Além disso,
todos os outros 11 casos restantes são referentes a vínculos com algum político
que atua em nível estadual ou candidatos derrotados a cargos de nível federal.
Não houve nenhum caso detectado de vínculo direto entre emissoras comunitárias
e ocupantes de cargos eletivos em nível federal. (LIMA, V.; LOPES, 2007).
As conclusões do estudo:
1. Durante a gestão de pelo menos dois ministros
após a edição da Lei 9.612/98, há indícios de preferência na distribuição de
outorgas de interesse político do próprio ministro.
2. O Palácio do Planalto acelerou processos ou
reteve outros conforme interesses políticos.
3. Há uma “intensa utilização política das outorgas
de radiodifusão comunitária”. Ela se dá em dois níveis: no municipal, em que as
outorgas têm um valor político localizado; e no estadual/federal, aí as rádios
comunitárias são controladas por forças políticas locais que devem o “favor” de
sua legalização a um padrinho político.
Quanto ao relatório do GTI...
Ele faz um diagnóstico da situação, mas apresenta
propostas “medrosas”, pouco alterando a atual situação.
Como o GT anterior, as conclusões deste GTI também
foram para o lixo. Mas, desta vez com um elemento insólito: embora o relatório
tenha sido amplamente divulgado, é como se ele não tivesse existido - nunca foi
oficialmente reconhecido pelo governo. (Continua)
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