terça-feira, 6 de agosto de 2013

O Governo do PT e as rádios comunitárias: 10 anos de solidão (parte 4)

Por Dioclécio Luz (assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, Brasília)
O relatório do GTI omitiu a existência desse “balcão de negócios”. No entanto, estudo desenvolvido por Cristiano Lopes e Venício Lima (“Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004): as autorizações de emissoras como moeda de barganha política”), mostra que ele existe ou existiu, pelo menos no período. O estudo mostra como a Igreja Católica tem abocanhado concessões de RCs:
No total, em 120 (5,4%) rádios comunitárias pesquisadas foi encontrado algum tipo de vínculo religioso. O domínio de vínculos pela religião católica é notável. Dessas 120 rádios, 83 (69,2%) eram ligadas à igreja católica, 33 (27,5%) a igrejas protestantes, duas (1,66%) a ambas, uma à doutrina espírita (0,8%) e uma (0,8%) ao umbandismo. (LIMA, V.; LOPES, 2007).
Esse mesmo estado, tão rigoroso no fechamento de emissoras não autorizadas, fecha os olhos à lei e distribui autorizações para seus aliados políticos e religiosos. A Lei 9.612/98 – artigo 4º e artigo 11 – veda às religiões o comando de rádios comunitárias, mas o governo, contraindo essa lei, distribuiu autorizações para os religiosos. Eis dois exemplos, com dados oficiais:
Processo nº 53770.000456/99. Licença Definitiva para a “Associação Comunitária Nossa Senhora de Copacabana”, localizada na Rua Hilário Gomes, 36, Copacabana, Rio de Janeiro. No local funciona a Igreja Nossa Senhora de Copacabana. (fonte: Ministério das Comunicações).
Conclusão: embora autorizada, a rádio está sob o comando da Igreja Católica.
Processo nº 53000.000210/00. Autorização concedida à “Associação de Assistência Social Casa da Bênção”, localizada, de acordo com o MC, à Área Especial 5 - Setor F Sul Taguatinga Sul, Distrito Federal. A Catedral da Casa Bênção funciona no mesmo endereço, com o nome de fantasia de “Rádio ondas da bênção” (http://www.catedraldabencao.org.br). (fonte: Ministério das Comunicações).
Conclusão: embora autorizada, a rádio está sob o comando da Igreja Evangélica Casa da Bênção.
Para os autores do estudo, essa forma de distribuição de outorgas de rádios comunitárias é “um comportamento que remonta ao velho estado patrimonialista, no qual não havia limite entre o público e o privado e os patrimônios do estado e do governante terminavam por se misturar”. Foi visto que:
Dos 1.106 casos detectados em que havia vínculo político, exatos 1.095 (99%) eram relativos a um ou mais políticos que atuam em nível municipal. Além disso, todos os outros 11 casos restantes são referentes a vínculos com algum político que atua em nível estadual ou candidatos derrotados a cargos de nível federal. Não houve nenhum caso detectado de vínculo direto entre emissoras comunitárias e ocupantes de cargos eletivos em nível federal. (LIMA, V.; LOPES, 2007).
As conclusões do estudo:
1. Durante a gestão de pelo menos dois ministros após a edição da Lei 9.612/98, há indícios de preferência na distribuição de outorgas de interesse político do próprio ministro.
2. O Palácio do Planalto acelerou processos ou reteve outros conforme interesses políticos.
3. Há uma “intensa utilização política das outorgas de radiodifusão comunitária”. Ela se dá em dois níveis: no municipal, em que as outorgas têm um valor político localizado; e no estadual/federal, aí as rádios comunitárias são controladas por forças políticas locais que devem o “favor” de sua legalização a um padrinho político.
Quanto ao relatório do GTI...
Ele faz um diagnóstico da situação, mas apresenta propostas “medrosas”, pouco alterando a atual situação.
Como o GT anterior, as conclusões deste GTI também foram para o lixo. Mas, desta vez com um elemento insólito: embora o relatório tenha sido amplamente divulgado, é como se ele não tivesse existido - nunca foi oficialmente reconhecido pelo governo. (Continua)

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