Antônio Cícero
Não é fácil encontrar Cleude Conceição. É preciso
enfrentar a poeira e os buracos da rodovia Transamazônica, saindo de Marabá e
indo em direção a Itupiranga, no sudeste do Pará. São 27 km vencidos com
dificuldade até se alcançar um travessão que liga à localidade de Jovem Creane.
A partir daí, são mais 22 km em uma estradinha de terra estreita e tortuosa,
marcada por pequenas pontes.
Quando a reportagem chega ao pequeno vilarejo, quase
quatro horas depois de ter saído de Marabá, precisa esperar ainda por
Conceição, que está pescando. Ela chega uma hora mais tarde, trazendo duas
pequenas piranhas e um surubim, resultado da pescaria. Aos 30 anos, é uma
mulher magra, pequena, negra, de natureza desconfiada.
Cleude Conceição já escapou de tiros, já viu
companheiros tombarem. Junto ao pai Marcos Gomes, ela coordena um grupo de 70
famílias que ocupavam duas fazendas em Itupiranga. As fazendas Bandeirantes e
Potiguar são consideradas terras públicas da União, e estão em processo de
arrecadação pelo Incra.
É um litígio que já dura nove anos. As fazendas são
contíguas e juntas alcançam 700 alqueires. A intenção dos trabalhadores rurais
era dividir a terra em 10 alqueires para cada família. Assim, cada família
começou a produzir nas áreas ocupadas. As fazendas, até então, haviam sido
consideradas improdutivas pelo Incra.
A reação dos proprietários foi imediata. Pistoleiros
apareceram nas ocupações e iniciaram as ameaças. Barracões foram incendiados e
famílias despejadas sob a mira de armas. A Justiça Federal de Marabá determinou
que o Incra pagasse as benfeitorias que os fazendeiros supostamente haviam
feito nas terras. O Incra recorreu e o caso ainda segue os trâmites judiciais.
Sem definição a esse respeito, a Justiça Federal
determinou o despejo das famílias ocupantes, que protestaram e ameaçaram
enfrentar os oficiais de Justiça e a Polícia Militar. Os fazendeiros mostraram
então que não estavam dispostos a ceder. No dia 29 de janeiro de 2011, pistoleiros
assassinaram a tiros a principal liderança dos posseiros, o agricultor Pedro
Sacaca. A acusação de ser o mandante do crime recaiu sobre o fazendeiro João
Ricardo, mas o inquérito segue a passos lentos. Ainda não houve julgamento.
Assim, Marcos Gomes e a filha, Cleude Conceição,
assumiram a liderança do movimento. As famílias decidiram acampar a sete
quilômetros das fazendas. O acampamento de barracas de lona não durou muito
tempo, devido às dificuldades encontradas pelos trabalhadores rurais. “Era
muita pulga, seu moço”, resume Cleude Conceição.
Dificuldades fazem parte da vida de Conceição. Com
dez anos de idade, ela participou da primeira marcha com integrantes do MST,
acompanhando a mãe, Domingas da Conceição. Com 22, fez parte da ocupação da
fazenda Cabaceiras, em Marabá, mas não conseguiu um pedaço de chão para si.
Ouviu de um pistoleiro à época que só conseguiria terra debaixo dela.
A mãe Domingas separou-se do pai. E, com Marcos
Gomes, Conceição partiu em busca de terra nas fazendas Bandeirantes e Potiguar,
sempre tendo o medo como companheiro. “Não tem como não ter medo. A gente viu o
Pedro Sacaca tombar. Me deu um ‘belo belo’ quando vi o corpo dele cheio de
bala”, diz. “Belo belo” é uma expressão usada para definir mal estar, tremedeiras,
nervosismo.
“Na época era muito tiro, os capangas dos
fazendeiros andavam armados, intimidando. Já pensou, a pessoa matar o outro?
Dentro de casa, nós fica é com medo pelo tanto que já sofremos”, diz.
No centro do vilarejo onde as famílias aguardam uma
decisão definitiva, sobram histórias de luta pela terra. É uma luta
protagonizada por mulheres. Muitas ‘marias’, como Maria Lúcia e Maria da Ajuda.
“A gente tem esperança de ter um pedaço de chão nosso”, diz Maria da Ajuda.
Junto ao pai, Cleude Conceição passou a sofrer
ameaças. “Já veio recado dizendo que todas as lideranças estavam na mira”,
revela. O processo que vai definir a situação das fazendas ainda está correndo
na Justiça. Por três vezes os agricultores ocuparam a terra e foram despejados.
“Uns desistem, outros não. A gente continua lutando. É difícil e eu vou dizer,
não tem como pegar na mão de Deus quando a bala manda recado”. (Ismael Machado/Diário do Pará/Agência
Pública)
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