É
a defesa de privilégios da “plutocracia predadora”, para usar a grande
expressão de Pulitzer
* Paulo Nogueira – O que é um bom jornalista,
segundo talvez o maior deles, Joseph Pulitzer, o editor que há mais de um
século simplesmente inventou a manchete e a primeira página como as conhecemos
hoje?
Ele sempre é contra os privilégios e os injustamente
privilegiados, disse Pulitzer.
Isso porque privilégios vão sempre dar em
iniquidade, ao destruir a meritocracia e favorecer um pequeno grupo de
“plutocratas”, para usar uma expressão de Pulitzer na descrição do bom
jornalista.
O bom jornalista também não deve esquecer, nunca, os
pobres, disse Pulitzer, numa frase que lembra o papa.
Os princípios de Pulitzer ajudam a refletir melhor
sobre um debate jornalístico que se trava no Brasil de hoje: o que é jornalismo
chapa-branca?
Examinemos os jornalistas das corporações
jornalísticas. Sobretudo, os articulistas políticos, de Merval Pereira a Dora
Kramer, de Arnaldo Jabor a Eliane Cantanhêde, e daí por diante.
Eles combatem privilégios ou ajudam a mantê-los?
Vejamos alguns exemplos de privilégios.
Nos anos 1990, o Brasil se abriu à concorrência
estrangeira e as empresas nacionais foram submetidas à competição das
estrangeiras.
A mídia bradou por isso.
Mas o que os brasileiros não souberam é que, para as
empresas jornalísticas, jamais foi tocado o privilégio do mercado protegido.
Nos subterrâneos, com o grau de intimidação que o
jornalismo traz, elas conseguiram manter o que pode ser chamado de mamata.
Os argumentos foram infantis, como demonstrou um
artigo relativamente recente do advogado Luís Roberto Barroso dos dias em que
ele cuidava dos interesses lobísticos da Globo, antes de ir para o STF.
A reserva, escreveu Barroso no Globo, protege o
“patrimônio cultural” que são as novelas e impede que os brasileiros sejam
repentinamente assaltados pela “pregação maoísta” de uma tevê chinesa que se
instalasse no Brasil.
Não era piada. Barroso não escreveu aquilo para que
o leitor risse.
Algum jornalista das grandes corporações criticou,
uma única vez, o privilégio da reserva de mercado da mídia? Tocou, ao menos, no
assunto? Notificou seus leitores?
Recentemente, a Globo foi pilhada numa fraude fiscal
na compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002.
(Aliás: o que não deve ter acontecido na compra dos
direitos de 2006 e de 2010, ainda com a presença do amigo global Ricardo
Teixeira na Fifa? Mas de novo: algum jornalista investigou?)
Documentos da Receita, vazados num blog, o
Cafezinho, provaram a trapaça, da qual resultou uma dívida da Globo perante a
Receita de 615 milhões de reais em dinheiro de 2006.
Para usar os princípios de Pulitzer, é um tipo de
jornalismo que defende privilégios e esquece o interesse público.
Também se soube que uma funcionária da Receita
tentou simplesmente fazer desaparecer os documentos que comprovam o crime de
sonegação.
Imagine o frenesi que tomaria conta da Inglaterra,
para efeito de exercício especulativo, se fosse noticiado que uma funcionária
da Receita tivesse tentado dar sumiço a uma dívida da News International, de
Rupert Murdoch.
Algum jornalista das grandes corporações brasileiras
defendeu o interesse público?
Ou a “plutocracia predadora” – mais uma expressão de
Pulitzer – foi protegida pelo silêncio?
Onde, na sonegação da Globo, a combatividade da
Folha, o jornal “sem rabo preso”? Onde a indignação dos Lacerdas de hoje?
Jornalismo chapa branca, no Brasil de 2013, pode ser
definido assim: a defesa, pelas palavras ou pelo silêncio, da “plutocracia
predadora”. E o consequente abandono do interesse público.
O resto é mistificação.
* Jornalista, baseado em Londres, fundador e diretor
editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo
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