sábado, 24 de agosto de 2013

O Governo do PT e as rádios comunitárias: 10 anos de solidão (final)

Por Dioclécio Luz (assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, Brasília)
A punição e a vigilância são poderes destinados a educar (adestrar) as pessoas para que essas cumpram normas, leis e exercícios, de acordo com a vontade de quem detém o poder. A vigilância é uma maneira de se observar a pessoa, se esta está realmente cumprindo com todos seus deveres – é um poder que atinge os corpos dos indivíduos, seus gestos, seus discursos, suas atividades, sua aprendizagem, sua vida cotidiana. A vigilância tem como função evitar que algo contrário ao poder aconteça e busca regulamentar a vida das pessoas para que estas exerçam suas atividades.
Já a punição é o meio encontrado pelo poder para tentar corrigir as pessoas que infligem as regras ditadas pelo poder e ela também é o meio de impedir que essas pessoas cometam condutas puníveis (através da punição as pessoas terão receio de cometer algo contrário às normas do poder). A vigilância e a punição podem ser encontradas em várias entidades estatais, como hospitais, prisões e escolas (FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Rio de janeiro, Petrópolis: Vozes, 2009).
A Norma 01/11 é o discurso da “direita”, tanto criticada pelo PT. Por exemplo, ela restringiu a forma de patrocínio da RC. Se a lei diz que o patrocínio somente pode ser feito por estabelecimentos instalados na área em que funciona a rádio comunitária, a norma diz que o “apoio cultural” não pode divulgar ofertas, produtos, valores. Pergunta-se: qual a loja ou serviço vai patrocinar uma RC, sabendo que não pode colocar os valores da oferta? 
A bem da verdade, antes de existir uma definição de apoio cultural a Anatel já usava esta que agora se impõe. Ou seja, ela aplicou multas em diversas rádios por descumprirem uma regra que não existia! Este abuso da Anatel (punir sem ter norma legal para tanto) contou com a colaboração do Ministério das Comunicações, que tornou público em seu site uma regra inexistente como se fosse norma legal. Bem antes da norma ser publicada, esse texto estava lá no site do MC (pelo menos até 13/05/11) como resposta às “perguntas mais frequentes”. Os redatores da norma copiaram o texto e colaram na nova norma.
Quanto à nova Norma 01/11. Ela amplia a burocracia e o controle sobre as pessoas. Para tanto, pede (item 8.1.d) a lista...
De todos os associados pessoas físicas, com o número do CPF, número do documento de identidade e órgão expedidor mais o endereço de residência ou domicílio, bem como de todos os associados pessoas jurídicas, com o número do CNPJ e endereço da sede. 
Qual o interesse do estado em saber quem faz parte da associação? Quais as suas pretensões? Imagine-se o calhamaço que vai render uma associação como a rádio de Heliópolis, São Paulo, instalada numa comunidade com 125 mil pessoas. O que o Ministério das Comunicações pretende fazer com uma lista contendo os dados de centenas ou milhares de pessoas, com a especificação de nome, endereço, CPF? Vai verificar a autenticidade de cada uma? Ao que parece, temos aqui uma prática comum a regimes ditatoriais, objetivando controlar as pessoas.
Ainda nesta norma, o governo pede ao interessado “declarações” aparentemente absurdas para conceder a autorização. Um exemplo: é solicitado aos dirigentes das emissoras declarações de que seguirão a norma legal. Ora, qual a lógica em solicitar de concessionário de serviço público papel assinado, dizendo que ele vai seguir a lei?
Não se trata, porém, de uma insensatez. Os que redigiram essa norma não são nada insensatos. Pelo contrário. A norma é parte de uma estratégia de manutenção do poder, baseada numa determinada postura ideológica. A norma é uma regra, mas, também.

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