segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O Governo do PT e as rádios comunitárias: 10 anos de solidão (parte 5)

Terceiro: omissão é posição
Por Dioclécio Luz (assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, Brasília)
A legislação em vigor foi feita para impedir a existência das RCs. Sancionada pelo governo anterior (Fernando Henrique Cardoso), o governo petista optou pelo mais cômodo: fazer-se de cego, omitir-se. E ao fazer isso, na prática, posicionou-se pela lei em vigor. Por isso, criada há 14 anos, a legislação permanece com seus absurdos.
O absurdo mais flagrante é o limite de alcance para 1 km de raio. Isso não está na lei, foi uma invenção do Executivo. O artigo 1º da Lei 9.612/98 estabelece que a potência da RC deve ser limitada a 25 w. O Decreto 2.615/98, porém, vai além e diz que o alcance da rádio não deve ultrapassar 1 km. Na prática, o Executivo mudou o conteúdo da lei, fazendo uso de um decreto - o que é ilegal! Com isto, o estado (que é quem aplica a legislação) ampliou mais ainda o caráter restritivo da lei. Ele impôs uma comunidade com fronteiras eletromagnéticas; substituiu as antigas e verdadeiras fronteiras da comunidade – definidas por relações humanas, culturais e geográficas - por “cercados eletromagnéticos”, com limites restritos a um círculo de raio de 1 km.
Antes, pela lei, a RC deveria atender à “comunidade do bairro e/ou vila”. Com a redação dada no decreto, a RC deve atender somente a quem está dentro desse círculo de raio de 1 km. O estado criou um espaço que não existia, uma espécie de gueto ou “campo de concentração”, cercado por redes eletromagnéticas – dentro dele deve operar a rádio e devem morar seus dirigentes.
Por que o Governo do PT não mudou isso? Porque fez uma opção política em função de uma linha ideológica. É a mesma que está inserida na Lei 9.612/98 (art. 5º), quando se determina que as RCs devam transmitir em um só canal (uma faixa limitada de frequências), indicando-se um canal alternativo quando não for possível usar o primeiro indicado. Que canais são estes? Em tese, devem estar dentro do dial de Frequência Modulada (FM), a faixa que vai de 88 a 108 MHz. Afinal, todo receptor de rádio FM é construído para receber sinais dentro dessa faixa – faz parte de um acordo internacional entre os países.
Mas o estado brasileiro inovou...
Em 1998, através da Resolução 60, a Anatel decidiu que as rádios comunitárias deveriam operar no canal 200 (faixa de 87,9 MHz a 88,1 MHz). Isso era no Governo FHC. Em 2004, já no Governo do PT (Lula), a Anatel, através da Resolução 356, diz que as RCs devem ocupar, também, os canais 198 e 199 (faixa de 87,5 MHz a 87,7 MHz). Portanto, para as RCs de todo Brasil foi destinada a faixa de frequência que vai de 87,5 MHz a 88,1 MHz. Ocorre que, salvo a frequência de 88,1, tais canais estão fora do dial! Se, como foi visto, a faixa de FM vai de 88 a 108 MHz, para quem a RC vai transmitir se os receptores de FM não recebem abaixo de 88 MHz?
Isso não importa para o governo petista, que se associa à Anatel para defender que os aparelhos de rádio recebem nessa faixa. A Anatel chegou a apresentar estudos técnicos para provar que isto é possível. Não consegue provar, porém, que este ato não é uma discriminação – para nenhuma emissora comercial ou educativa foi designado canal nestas condições, fora do dial.
A legislação que o Governo do PT não quis modificar é repleta de atos de segregação. Ela exige que os dirigentes da emissora residam dentro do círculo determinado pelo raio de alcance de 1 km; veda a formação de redes; veda a publicidade, permitindo apenas o “apoio cultural”; estabelece que se a RC interferir sobre outro serviço de telecomunicações ela será punida, porém se ocorre o contrário, se uma emissora comercial interfere no sinal da RC, conforme a lei, o estado nada vai fazer. (Continua)

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