domingo, 18 de agosto de 2013

O Governo do PT e as rádios comunitárias: 10 anos de solidão (parte 6)

Quarto: vigiar e punir
Por Dioclécio Luz (assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, Brasília)
Em outubro de 2011, o Ministério das Comunicações resolveu mudar a legislação. E começou mudando a Norma Técnica 01/04. Essa mudança adquire um caráter simbólico porque foi a única alteração da legislação de RC em 10 anos de Governo do PT. Imaginava-se que o PT tivesse ouvido as rádios comunitárias e apresentasse propostas que reduzissem os efeitos negativos dessa legislação. Era o que se esperava de um partido que tinha, no seu discurso, um apelo social e, por base, as camadas populares. Não foi o que aconteceu.
Entenda-se: a legislação do serviço de radiodifusão comunitária se constitui basicamente (e hierarquicamente) da Lei 9.612/98, seu decreto regulamentador, 2.615/98, e, hoje, da Norma Técnica, 01/11. O mais sensato seria, primeiro, mudar a lei, depois o decreto e, por fim a norma. 
O Executivo não mudou o decreto, que é de sua alçada, optando por fazer uma nova Norma Técnica, a 01/11 (está em vigor hoje). Deste modo, o PT entra na história das rádios comunitárias por ter assinado uma mudança da legislação que a torna pior do que já era.
Deve-se entender a norma como um discurso institucional, uma fala do poder. E, por ser uma norma técnica, é um discurso do poder que se apresenta semioticamente com “virtudes”: ela teria autonomia (teria sido construída em ambiente alheio aos conflitos do setor), seria necessária (ao processo burocrático), seria apolítica (teria sido construída em ambiente alheio à política). Portanto, impositivo por natureza, a norma técnica é um discurso do Governo do PT – ela “diz o que o governo pensa sobre o assunto”.
O discurso expresso nesta norma objetiva manipular. O manipulador, o governo, quer submeter (manipular) os que querem fazer rádio comunitária. 
A manipulação envolve não apenas o poder, mas especificamente abuso de poder, ou seja, dominação. Mais especificamente, a manipulação implica o exercício de uma forma de influência deslegitimada por meio do discurso: os manipuladores fazem os outros acreditarem ou fazerem coisas que são do interesse do manipulador, e contra os interesses dos manipulados (VAN DIJK, Teun A. Discurso e poder. São Paulo, Contexto, 2008).
Esse mascaramento do discurso, essa tentativa de manipulação das pessoas, é um ato ilegítimo.
Definimos como ilegítimas todas as formas de interação, comunicação ou outras práticas sociais que servem apenas aos interesses de uma parte e são contra os interesses dos receptores. (idem, p. 238).
A pretensão do discurso/norma é controlar as pessoas, “vigiar e punir”, mais exatamente, que é título de célebre estudo do francês Michel Foucault sobre os métodos adotados historicamente para conter e punir os criminosos (Rio de Janeiro, Petrópolis: Vozes, 2009). No caso, “criminosos” são os que fazem ou pretendem fazer rádios comunitárias de forma independente. Para tanto, segundo Foucault, o poder faz uso do que se entende por “ordem disciplinar” - um conjunto de práticas de controle, sistematizadas a partir do Século XIX e usadas até hoje nas mais diversas instituições. O objetivo dessa ordem disciplinar é humilhar e controlar, vigiar e punir aqueles que poderiam desobedecer ao poder. (Continua)

Nenhum comentário: