Por Ricardo Berzoini *
A recente tentativa de votação de uma reforma política na Câmara dos Deputados expôs um impasse presente na política brasileira. Mesmo com a consciência de que a agenda a ser apreciada era limitada a uma parcela de uma demanda mais ampla, a reforma esbarrou na aliança entre os que não querem reforma nenhuma, pois são beneficiários do sistema atual, e os que desejam uma outra reforma, diante da constatação de que aquela que outrora defenderam pode beneficiar aqueles que se dedicaram mais à construção partidária e à referência programática.
Os que não querem mudança apostam na despolitização das relações representante/representado. A personalização da eleição parlamentar quase sempre tem descambado para o assistencialismo e clientelismo. Depois da eleição, temos a conseqüência da ausência de programa partidário, as trocas de partido e as relações de ocupação de espaços administrativos a partir da "aliança para a governabilidade". No voto individual o eleitor se engana, pensa que pode escolher o deputado, mas muitas vezes vota em candidatos que servem para somar votos à legenda que não tem programa, ou pior ainda, à coligação decorrente de avaliações matemático-eleitorais.
O PT fez todo o esforço possível para compor uma maioria, sacrificando inclusive parte de sua tese, ao aceitar o voto em lista com a flexibilidade de uma escolha individual depois da opção pelo partido. Mas, dada a configuração que se apresenta para a continuidade da votação dessa limitada reforma, cabe ao partido realinhar suas bandeiras, aprofundar o debate em suas bases e estabelecer uma estratégia para retomar essa questão em perspectiva mais ampla e com a convicção popular como força motriz de uma mudança de fato. Não haverá mudança estrutural sem participação popular, sem mobilização social.
Afinal, não é demais reconhecer que essa agenda estava dissociada de qualquer forma de mobilização que pudesse sustentar essa votação. A falta de acúmulo de debate em relação ao voto em lista e ao financiamento público facilitaram argumentos contrários. No PT, vivemos uma situação de constrangimento quando parte da bancada não acompanhou a orientação da liderança, em um encaminhamento de votação que poderia ter sido decisivo para a deliberação de parte da reforma. A constatação de que essa parcela da bancada errou politicamente deve ser acompanhada do reconhecimento de que o debate nas bases do partido é ainda precário, especialmente se considerarmos a importância dessa reforma para o futuro do PT e do país.
A reforma que estava em jogo, com o apoio do PT, por resolução de seu Diretório Nacional, mesmo que limitada, contemplava pontos fundamentais de nossa agenda:
1) O voto em lista fechada, configurando o perfil programático partidário de nossa ação parlamentar, e trazendo a estratégia eleitoral da eleição parlamentar para o campo eminentemente partidário. Essa medida, acompanhada de nossa luta histórica e inovadora para democratizar as relações filiado/partido, induziria o debate político parlamentar para o interior do partido, evitando a tendência de autonomia e fragmentação dos mandatos e personalização da política, que podem reduzir um partido de esquerda à simples condição de legenda eleitoral.
2) O financiamento público exclusivo de campanha, que significaria a forte redução do poder econômico em relação à vida política do país e a garantia de que os partidos teriam condições de campanha de acordo com sua representatividade, sem depender das relações com doadores.
3) A fidelidade partidária, assegurando respeito ao voto do eleitor durante o mandato.
4) O fim das coligações proporcionais, obrigando cada partido a se apresentar aos eleitores com seu próprio programa e evitando alianças de ocasião.
Dada a evidente inviabilidade de votarmos ao menos essa agenda, apesar da flexibilidade autorizada a nossos representantes na negociação, na qual chegamos até mesmo a admitir um modelo de financiamento misto, cujos desdobramentos seriam pouco previsíveis, o PT deve tratar da reforma política em seu III Congresso, deliberando sua posição, realizando uma grande campanha nacional, ampliando a agenda do debate interno com algumas outras questões substantivas, entre as quais:
- o papel do sistema bicameral brasileiro, no qual o Senado atua não apenas como uma "Câmara Revisora", sem nenhuma proporcionalidade com o eleitorado, como também tem a iniciativa legislativa plena;
- a duração dos mandatos, a coincidência das eleições e o instituto da reeleição;
- a forma de organização da relação entre o Poder Legislativo e os diversos poderes normativos do Executivo e Judiciário, que subtraem as atribuições típicas da atividade do Parlamento;
- os mecanismos de participação popular que podem ampliar os poderes dos eleitores.
Esta agenda pode e deve ser debatida pelos delegados ao III Congresso nas bases do partido para que nosso objetivo de reformar a política brasileira não se limite à tentativa frustrada de votação na Câmara, mas se transforme em instrumento de politização de nossa sociedade, para que, quando tivermos construída nova oportunidade de votar, tenhamos mais que o desejo de parte do parlamento, o apoio de opiniões e ações da maioria da população brasileira.
* O deputado Ricardo Berzoini (SP) é presidente nacional do PT
quarta-feira, 11 de julho de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário