CRÔNICAS DO PC
Em viagem ao interior do estado, acompanhado de um fotógrafo, em busca de um senhor sexagenário, que seria tema de reportagem para uma revista editada em capital nordestina, fui parar bem pertinho do rio Itacaiunas, já no município de Marabá. Estávamos na pequena fazenda Dourado, medindo dez alqueires, propriedade do senhor Gaudêncio Pereira, o nosso homem procurado, um desbravador da região, e ali morador há mais de quarentas anos.
A história desse goiano, valente em suas ações e seus propósitos de um dia ter seu quinhão de terra, é cheia de perigos, coragem e disposição de brigar pelo que adquiriu derramando o próprio suor. Não foi fácil. Teve de enfrentar um ambicioso latifundiário, que há anos até prometeu lhe matar se não arredasse os pés do lugar. Teimoso, ficou disposto a tudo para defender o que era seu. Preferiu nunca constituir família, diminuindo suas responsabilidades. Andava sempre preparado para o que “desse e viesse”. Não se expunha facilmente.
Um dia, o desafeto ambicioso foi encontrado morto misteriosamente, à beira de uma estrada, sem nenhum arranhão ou sinal de violência. Nenhuma investigação foi feita, porque médicos atestaram morte de causa natural. O coração doente parou de repente de bater.
“Já foi tarde”, disse o senhor Gaudêncio Pereira, sem guardar segredo, quando soube da notícia, ficando aliviado de tanta perseguição. Sua índole bondosa ainda recomendou a salvação da alma do ente ruim, benzendo-se e rezando uma oração.
Não vai negar. Ficou satisfeito, porque daí em diante, ele e outros perseguidos poderiam viver em paz, trabalhando numa boa em suas terras.
“Que Deus queira me perdoar. No entanto, o indivíduo não vai fazer falta, nem mesmo para a família, de quem dele guardava mágoas. A gente ficou livre de um traste, mau caráter, cheios de ambições”, afirmou, demonstrando sinceridade.
E o velho se dispôs a conversar conosco, passando informações para a realização de nosso trabalho. Contou tudo que queríamos saber. No final da conversa, convidou-nos para entrar no seu quarto de dormir. Queria nos mostrar um objeto seu, que lhe acompanharia na última caminhada.
Eu e meu companheiro fotógrafo tomamos um baita de susto. Ficamos espantados com o ambiente tétrico que deparamos no quarto.
Sobre dois tamboretes estava colocado um brilhoso caixão de defunto, rodeado por quatro castiçais enormes, e velas brancas de mais de um metro de tamanho.
“O que significa o ataúde”? Perguntei.
“Estou preparado para a morte. Só não gostei da cor do caixão. Os outros eram mais originais, bem pretos”, explicou senhor Gaudêncio Pereira.
“Outros caixões? Não entendi. Explique-me, senhor, quero saber”. Voltei a indagar, bastante curioso.
“Sim, meu cidadão É verdade! É o terceiro que mando fazer. Os outros dois tive de arranjar emprestado para conhecidos que morreram aqui mesmo na vizinhança. Só que as famílias me pagaram”.
“O senhor não acha muito arrepiante ter um caixão de defunto dentro do seu próprio quarto”?
“Que nada, cidadão! Quero ir me acostumando com a morte. O caixão é o local de meu repouso eterno, onde virarei pó”.
Estamos nessa conversa, quando chega um portador, garoto adolescente, dando um recado: “Dona Imaculada manda avisar que o pai dela morreu, e pede seu caixão emprestado para ele ser enterrado”.
“Pode levar. Tá no jeito. Perfumado e bem forrado. Deixe só eu tirar minhas coisas de dentro”. E nos mostrou uma luxuosa indumentária, a mortalha para cobrir seu corpo quando ele morresse, um terno completo, uma gravata borboleta, meias, lenço e um par de sapatos bico fino.
De conversa em conversa, fizemos o trabalho designado, melhorado com a história do caixão de defunto.
Pedro Cláudio M.Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br
quarta-feira, 3 de junho de 2009
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