Túlio Vianna (professor de Direito Penal e advogado com atuação na área de Direito Informático)
A minha recente manifestação no Twitter contra a obrigatoriedade do diploma de jornalismo foi recebida com indignação por muitos: “então você deveria defender o fim da obrigatoriedade do diploma de Direito para o exercício da advocacia” foi o “argumento” que mais li em resposta.
Antes de mais nada, entendam uma coisa: a obrigatoriedade do diploma de Direito (assim como o de médico, dentista, psicólogo) não existe para proteger os interesses da categoria, mas para proteger o usuário destes serviços de ser atendido por um rábula ou um curandeiro. Garante-se o monopólio do exercício da profissão aos portadores do diploma, não como um privilégio legal, mas como uma garantia do cidadão de que ele será atendido por profissionais minimamente qualificados.
A obrigatoriedade de um diploma, no entanto, me parece não ter qualquer sentido na regulamentação de profissões nas quais a ausência de talento, por si só, já coloca o profissional fora do mercado. Um virtuose não precisa ter um diploma de músico para ser aceito em uma orquestra e muito menos para gravar um disco. Um desenhista não precisa ter diploma de Belas Artes para ganhar a vida com seu talento. Um programador de computador não precisa de um diploma de Ciência da Computação para criar programas extraordinários.
Em todos os casos citados, garantir aos diplomados a exclusividade no exercício destas profissões em nada beneficiaria a sociedade. Apenas o grupo dos diplomados teria um benefício: o monopólio do exercício da profissão.
É claro que muitos poderiam alegar: “mas eu tenho direito de ouvir uma boa música, de apreciar belos desenhos e de ter bons programas de computadores. O Estado deveria garantir este meu direito exigindo o diploma para o exercício destas profissões.”
Por que não garantir o mínimo de qualidade assegurado por um diploma a todas as profissões? A resposta talvez esteja no art.5º, da Constituição da República:
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Para algumas profissões o Estado considera que o direito à livre expressão intelectual se sobrepõe ao direito do usuário de ter a garantia de um diploma assegurando que aquele profissional é capaz de prestar o serviço com o mínimo de qualidade.
É claro que esta é uma opção política entre deixar ao mercado a tarefa de filtrar os bons profissionais (liberalismo) ou delegar esta tarefa às instituições de nível superior (intervencionismo).
Na advocacia e na medicina, a maioria dos Estados ocidentais considera necessária uma regulamentação direta com a exigência de um diploma de nível superior, até porque quem procura tais profissionais, muitas vezes o faz com urgência e sem o tempo necessário para fazer uma pesquisa de mercado. O mesmo não ocorre com a música, o desenho e os programas de computador cuja boa ou má qualidade são relegados ao juízo crítico do mercado.
No caso do jornalismo, mais uma vez é necessária uma ponderação de interesses: o que é mais importante: a liberdade de manifestação de pensamento ou o direito de ser bem informado?
O decreto-lei 972 de 17 de outubro de 1969 que regulamenta a profissão de jornalista parece ter optado pela garantia à boa qualidade da informação em detrimento da liberdade de manifestação de pensamento. Nada mais natural durante uma ditadura militar que se procure limitar a livre manifestação de pensamento e tecnicizar o exercício da profissão de jornalista, procurando ocultar seu caráter político.
O jornalismo brasileiro ainda hoje pretende escudar-se em uma suposta neutralidade técnica da mera descrição de fatos, quando há muito se sabe que fatos só podem ser expressos por meio da linguagem que é sempre subjetiva, pois expressa a visão de um sujeito (jornalista) de um objeto (fato). Mas isso é uma outra história.
O busílis aqui é: será que a exigência de um diploma de jornalismo fez dos nossos jornais exemplos para o mundo de boa técnica em confronto com países que optaram pelo predomínio da liberdade de manifestação de pensamento, tais como Alemanha, Austrália, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Japão, Suíça e tantos outros nos quais o diploma não é obrigatório? Claro que não!
Evidentemente a baixa qualidade do nosso jornalismo não se deve tão-somente à obrigatoriedade do diploma, mas é claro também que esta obrigatoriedade não tornou o nosso jornalismo melhor.
Tome, por exemplo, as matérias jornalísticas que tratam de alguma questão jurídica. Salvo raríssimas exceções, são patéticas. Quando as leio, temo pelas informações erradas que absorvo nas matérias que fogem ao meu conhecimento técnico. Não seria melhor se tivéssemos ao menos um profissional do Direito nas redações para cuidar destes conteúdos? Não seria melhor ler uma entrevista de um jurista sobre um tema polêmico com perguntas feitas por quem sabe o que está perguntando?
Não creio que a dispensa da obrigatoriedade do diploma de jornalismo vá piorar a qualidade das informações publicadas. Muito pelo contrário, talvez a quebra deste monopólio do jornalista diplomado traga uma necessária multidisciplinariedade às redações dos jornais, especialmente em matérias em que o jornalista “clínico-geral” tem maiores dificuldades em escrever, como nas que tratam de controvérsias jurídicas ou científicas em geral.
Ganha a liberdade de manifestação de pensamento. Ganha o direito à informação de qualidade.
Publicado originalmente no Blog do Túlio Vianna.
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