* Roberto Malvezzi (Gogó)
Junte as transnacionais dos alimentos com sua transgenia, os técnicos e cientistas a seu serviço, os políticos, a FAO e sempre teremos a promessa de que a fome será superada. Estabeleceram metas para este milênio e uma multidão de ONGs se pôs também em busca desse objetivo. Eu mesmo sou membro da Fian, entidade internacional que luta pelo direito humano à alimentação.
Entretanto, esses dias ficamos sabendo que os famintos do mundo saltaram de 830 milhões para mais de 1 bilhão de pessoas em pouco mais de um ano. A FAO não teve nenhuma dúvida em creditar aos agrocombustíveis 75% de responsabilidade nesse aumento.
Em interconexão direta com a fome estão os sedentos. Mais de 1,2 bilhão de pessoas em todo o planeta não tem água potável para beber todos os dias. A água, fonte de vida, torna-se fonte de mortes. Uma em cada quatro internações hospitalares provém de doenças veiculadas por água contaminada.
A foto que corre a internet, com um menino africano bebendo urina diretamente da vagina de uma vaca anula qualquer palavra. O curioso é que 70% da água doce do planeta é utilizado para produzir alimentos. É para uma elite restrita da humanidade que não pode enfrentar sazonalidade na produção de alimentos, como as uvas e mangas aqui do São Francisco, com duas ou três safras ao ano.
O avanço dos agrocombutíveis e as mudanças climáticas só farão agravar essas estatísticas. Acontece que cada número é uma pessoa humana, um universo único e irrepetível. Cada pessoa tem sua própria dignidade, seus pavores, oriundos da fome, da falta de perspectiva, da morte que se avizinha sem que tenha de fato passado pela vida.
O sistema mundial de abastecimento já se mostra fracassado, mas deverá desabar com as mudanças climáticas. A redução da humanidade pela fome e pela sede – com todas as doenças que vêm juntas – já é realidade para bilhões de pessoas e se avizinha como a maior catástrofe já enfrentada pela humanidade.
O Brasil reduziu seus famintos com pequenas medidas, como o Bolsa Família e a aposentadoria dos rurais. A sêde tem sido diminuída pelas cisternas e outras pequenas obras hídricas. Portanto, é possível superar a fome e a sede, mas é preciso disposição política. Entretanto, o governo brasileiro patrocina os agrocombustíveis na África e na América Central, além do Brasil, substituindo populações produtoras de alimentos por espaços de produção de energia para carros. O Brasil tem parte nessa conta macabra.
Como na questão ambiental, assim também na fome e na sede, temos ganho algumas batalhas, mas vamos perdendo a guerra.
* Assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT), colaborador e articulista do Portal EcoDebate
terça-feira, 23 de junho de 2009
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