segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pessoa inesquecível

CRÔNICAS DO PC
Foi motivo de muita tristeza, quando a população daquela cidade recebeu a notícia da morte trágica do ex-prefeito da cidade, o renomado médico Cesário Coité, ocorrida em uma de nossas estradas esburacadas. O carro que dirigia caiu numa vala, desgovernou-se e foi parar no fundo de um abismo de mais de 40 metros. Morte instantânea. Quase nenhum osso ficou inteiro no corpo do doutor.

Em vida, o médico foi extraordinário. Eleito prefeito, fez uma grande administração, deixando marcada sua passagem pela prefeitura, com grandes obras realizadas. Como médico, tornou-se especialista das necessidades que seus pacientes apresentavam. Fazia cirurgias, partos, redução de fratura, clínica pediatra, geriátrica, ginecológica, enfim, sua larga experiência médica o tornou um excelente profissional da saúde e de vastos conhecimentos.

Era cidadão muito querido pelas mulheres da cidade, principalmente por ser solteiro e dono de fortuna de mais de 10 milhões de reais, adquirida com o esforço de seu trabalho e bens herdados de pais falecidos, por ser filho único.

Não fez carreira política por não concordar com os rumos que seu partido queria tomar, de apoiar o governo em troca de favores. Para tanto, tinha de fechar os olhos para as bandalheiras cometidas, através de assaltos aos cofres públicos e malversações de verbas.

Sua vida privada era conduzia com muita discrição. Morava sozinho num casarão tipo colonial e recebia visitas muito reservadamente, na maioria das vezes à noite, as mais frequentes de quatro mulheres, uma morena, outra branca, a terceira loura, de olhos azuis, cada uma em dias diferentes, inclusive, uma negra, ex-freira da Ordem Mercedária, que só aparecia aos sábados.

Como esses fatos sempre dão o que falar, algumas pessoas da vizinhança comentavam maliciosamente que naquele entra e sai de mulheres bonitas e atraentes na casa de um homem solteiro deveria haver mistérios. Uma das falastronas, viúva experiente declarou: “Macho e fêmea juntos correm riscos. Não confio nem em um jumento com uma galinha, pode haver saliência”.

Ninguém, no entanto, conseguiu provar qualquer envolvimento mais sério entre o médico e as mulheres, afirmativamente, até o dia de sua morte, quando o corpo estava sendo velado na Câmara Municipal.

Ao lado do ataúde, chorando copiosamente, ficaram agarradas ao cadáver as quatro mulheres. Uma segurava na cabeça, outra se abraçava ao tórax, a terceira se entrelaçava à barriga e a ex-freira abaixo dos quadris. Cena triste, muito comovente, revelando o quanto o morto era querido por aquelas mulheres.

Na cidade havia um costume tradicional de se colocar num certo Livro de Referências mensagens alusivas à vida do morto e assinadas por quem a escrevia. A pessoa que tomava conta do chamado Tomo Histórico era a velha viúva tagarela, única funcionária do museu municipal.

No outro dia, após o funeral, a velha viúva, em seu ambiente de trabalho, chamou uma amiga, e pôs-se a ler o que havia escrito cada uma das quatro mulheres, única forma de tirar dúvidas, colocando as coisas “em pratos limpos”. E estava ali a primeira mensagem. Dizia assim: “Foi-se uma pessoa amada, deixando marcas indeléveis e profundas em mim, e que me fizeram feliz”, Vanda. A segunda mensagem assim se expressava na segunda pessoa do singular: “Partistes, meu amor, mas fiques sabendo que não te esquecerei jamais. Tua marca ficou permanente, me causando comichão gostoso”, Léia.

A terceira mensagem estava um pouco agressiva, pelo tom de desabafo: “Eu desconfiava que tu me traias com essas marafaias. Vou te perdoar porque não sou vingativa, e desejo tua salvação eterna”, Ruth. Já a ex-freira escreveu: “Ah! Que delícia! Maravilha! Sentirei saudade quando me lembrar de teus estudos anatômicos procurando em mim o ponto G”, Irmã Caridade.

Pedro Cláudio M.Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

Nenhum comentário: