Clarindo amanheceu o dia olhando o raiar da aurora. Pôs a mão direita espalmada na testa e fixou os olhos no horizonte. Para ele, estava um pouco escuro. Precisava de mais claridade para fazer o que queria.
Sua sogra viúva era uma exceção rara na classe a ser considerada gentil, compreensiva e cordial com o genro. Madrugadora, já se encontrava sentada na varanda da casa, xale no pescoço, chapéu de couro na cabeça, bebendo uma xícara de café fumegante, acompanhada de fatia de cuscuz de milho. Mesmo mastigando, falou alto, dirigindo-se ao musculoso esposo de sua única filha, e apontando o dedo para um alvo, que passeava pra lá e pra cá, procurando alimento, fuçando o chão.. A sogra viúva advertiu, falando alto: "Não erre o tiro"!
Clarindo, de posse de uma espingarda, tipo bate-bucha, cano longo, mirou a arma para o alvo, cochilou na mira e apertou o dedo no gatilho. O estampido do tiro foi ouvido pela vizinhança das quatro casas ao redor, acompanhado de um baque de um corpo que tombava. A velha sogra soltou um grito vibrante, exclamando: "Acertou...! Acertou...! Cabra macho"!
Esperneando, nos estertores da morte, jazia sobre a lama um velho barrão da raça carge whinter, muito vistoso, de mais de 120 quilos, reprodutor, responsável pelo nascimento seguido de bacorinhos em porcas da raça “landrace”, que estavam confinadas em uma pocilga com vários compartimentos.
Clarindo às preces, puxou uma faca afiada e pontiaguda da cintura, sangrou o suíno, cortando a veia jugular. O barrão, de olhos revirados, deu aquele gritinho como último sinal de vida, o que Clarindo aproveitou para aparar o sangue que escorria numa tigela esmaltada, pensando no chouriço que a sogra prepararia, aproveitando a gordura do porco, inclusive a banha.
O velho barrão teve uma vida privilegiada, por ser reprodutor. Era bem alimentado à base de ração especial, rica em minerais, vitaminas, hormônio, que lhe estimulava a ficar sempre fogoso para aproveitar o cio das porcas.
Morreu porque envelheceu, ficando sem fogo, naquela decepcionante situação de ter apetite só para comer. Assim não podia! As porcas tinham de continuar emprenhando. Em seu lugar chegou outro barrão mais novo, fogoso, tinindo, subindo a todo instante nas fêmeas. O que deixou Clarindo satisfeito.
O sacrifício do desventurado animal foi determinado à véspera do aniversário da patroa, esposa de Clarindo. Tudo do suíno foi aproveitado no preparo de feijoada, linguiça, torresmo, cozidos e assados, que seriam saboreados por amigos convidados da vizinhança.
Clarindo e a sogra foram os que mais comeram. Três dias seguidos, variando de prato, com temperos diferentes. Diante de tanta voracidade, não pode existir barriga que suporte o peso de indigestos ingredientes picantes misturados às carnes gordurosas. Fica difícil de ser digerido.
A sogra empanturrou-se de tanta gulodice, enchendo de gases os intestinos, ficando naquela de ninguém suportar ficar perto dela pelas emanações incontidas, que pipocavam de dentro pra fora.
Clarindo, por outro lado, também adoeceu, de fecaloma, constipado fazia dez dias, obrigando-se a ser internado e submetido à lavagem intestinal. Diz ele que sofreu muito, quase não suportando a grossa mangueira acoplada a um irrigador, a despejar-lhe líquidos via retal. Após a lavagem intestinal, ainda ficou com outros sintomas, que não tinha antes. Preocupado, procurou um médico especialista, que lhe examinou dos pés à cabeça, solicitando uma bateria de exames.
Nada grave foi encontrado. Somente um probleminha, chato. Estranhamente, havia uma diminuição acentuada de um hormônio masculino conhecido como testosterona. Após seis meses de tratamento, não encontraram solução para o seu caso. Estava com disfunção erétil. Nem o “viagra” deu jeito.
Descobriu-se que todo começou depois que ele comeu a carne do barrão, que “brochou”, ficando, também, igualzinho ao suíno, sem destreza, só comendo,engordando e dormindo. E temeroso disse um dia para a mulher: “Não faça comigo o que eu fiz com o velho barrão”.
Pedro Cláudio M.Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br
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