quarta-feira, 29 de julho de 2009

Diálogo das beatas linguarudas

CRÔNICAS DO PC
É um domingo pela manhã. Ouço sem querer conversas das beatas que passam por mim a caminho da igreja matriz. Iam participar da missa das sete. Andavam em grupos de três ou quatro, tagarelando. Como me conheciam, olhavam para mim e enojavam-se, não aceitando minha postura de antifofoqueiro, sempre evitando ficar longe de rodas para se falar da vida alheia. Comentavam uma com as outras, indignadas, a vida de muitos habitantes da cidade, em particular de seus vizinhos. Metiam a língua numa tal de Almerinda, a doceira da Vila do Branco; em Cremilda, a cabeleireira; em Angelina, a esposa do farmacêutico, afirmando serem as três bastante metidas, só porque eram bem de vida, tendo dinheiro, carro, casa e posição social elevada. Por último, o sarrafo comeu em dr. Eduardo, o clínico geral, para elas um mau exemplo de pai de família, que não havia jeito de largar o vício da cachaça, embriagando-se todos os dias.

Era visto e confirmado, tudo estava sujo e vicioso na cidade. Ninguém tinha mais vergonha, escapando por princípios da moral, dentre os outros poucos, elas, as zeladoras do Sagrado Coração de Maria e, é claro, não se podia botar defeito no senhor padre Leopoldo, um homem de Deus muito virtuoso, pregando o bem e indicando os bons caminhos para as famílias da paróquia.

O sacerdote era ouvido? Interrogavam, todas com expressão de dúvidas. “O mundo está perdido”, exclamou a mais velha e feia das beatas, banguela, boca murcha e pele enrugada pelos longos anos vividos.

“Concordo contigo, Ana Lapichim, e vou adiantar mais ainda, perguntando a ti e as outras, se conhecem aquele meu vizinho chamado Tiborão, de corpo cabeludo parecendo um macaco?”.

“Tu te referes, Chica Russa, ao horroroso pernambucano de Caruaru?”.

“Quem mais poderia ser?”.

“O que o mostrengo fez?”.

“Castigou a mulher, dando-lhe uns cascudos”.

“Covarde! E por quê?”.

“Imagine! Acho que foi apenas violência. Não precisava bater só porque a pobrezinha deu uma escapulida e foi à sorveteria”.

“Não há nada demais tomar sorvete para refrescar o corpo”.

“Sabe, né! Homem estúpido nunca tem controle quando sente ciúmes”.

“Explique-se, senhora dona Chica Russa!”

“Veja bem: sorvete se toma rápido, e ela, mulher do bruto, pisou na bola. Demorou até as duas da manhã, e quando chegou à casa trazia no pescoço uma mancha azulada, que o marido experiente desconfiou ter sido uma chupada partida de uma boca voraz”.

“Na certa de um “Ricardão”.

“É o que ficou explícito”.

“E a maluca da mulher, como se saiu da encrenca?”.

“Imagine! Disse ter sido mordida por um bandido tarado dentro de um ônibus coletivo”.

“Assalto à mão armada?”.

“Não sua tola. Ela quis dizer, assalto a dentadas”.

“E o grosso do marido?”.

“Até que foi compreensivo. Acreditou no álibi da mulher. Levou uns cascudos, para não se expor andando de coletivos, já que cada um tem carro”.

“E aí?”.

“O precavido marido fez um curativo, colando band-aid cobrindo a lesão. Queria evitar comentários dos maliciosos, em pensar que ele não tinha modos de acariciar a mulher”.

“A maioria dos homens faz-de-conta é conformada”.

“Tu és bem informada. Como soubestes do sucedido?”.

“Tenho minhas fontes de informações. A doméstica que trabalha para o casal contou-me que a patroa, poucos dias depois, voltou a tomar sorvete, quando regressava para casa a pé por rua deserta, e coincidentemente foi abordada pelo mesmo bandido chupador de pescoço, que, muito atrevido, numa cantada de mestre, lhes disse: “Adorei tuas roupas, acho que elas ficariam lindas no chão do meu quarto”. Sem outra reação pelo lisonjeio, a mulher aceitou ser conduzida para um lugar ermo, mas bem confortável, onde ficaram a sós até as duas da manhã. Ela pediu carinhosamente ao malfeitor para não deixar-lhe marcas no pescoço ou qualquer outro lugar, a fim de evitar confusão com o marido”.

Desta vez, chegou em casa apenas com os cabelos desalinhados. Justificação: “Também ventava muito...!”.

O que o marido disse: “São os efeitos dos ventos vindos do Norte”. Ande sempre com um pente para se pentear”.

Pedro Cláudio M.Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

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