sábado, 4 de abril de 2009

Coronel x coronel e um final escatológico

CRÔNICAS DO PC
Em tempos passados, quem mandavam na política de uma região eram os coronéis, os conclamados maiorais, truculentos e birrentos. Eles tinham o poder de controlar tudo o que se passava em redor do município que dominavam. Prefeito, vereadores e delegado não tinham autonomia de decisões para contrariá-los. Portanto, obrigavam-se a cumprir ordens severas dos chefões, para nunca saírem da linha estabelecida por eles. Muitas vezes esses coronéis queriam intervir até na igreja, quando acontecia a promoção de um trabalho social que não fosse de seu interesse, a exemplo de escolas rurais. Os coronéis não queriam o trabalhador da roça alfabetizado, cuja finalidade era controlá-lo através da ignorância.

Os coronéis se dedicavam ao comando da política, cada um defendendo seus interesses, numa luta sem tréguas contra opositores. No período de eleições, acirravam-se as diferenças, numa disputa que parecia mais uma guerra.

Os dois grandes partidos da época, UDN e PSD, dividiam o mando do poder por regiões, cada um procurando eleger o maior número de correligionários para cargos importantes, começando nas pequenas cidades, com a eleição de prefeito e de vereadores, que mais tarde formavam os colégios eleitorais, de distribuição de votos para deputados estaduais, federais, senadores e governadores, até chegar a presidente da República.

Ficou registrada nos anais da história da cidade de Grotões a guerra entre facções políticas comandadas por dois coronéis importantes, na disputa de uma eleição para prefeito. De um lado, o grupo da UDN, cujo candidato era um médico de relevantes trabalhos prestados em favor da população. Do outro lado, o grupo do PSD, que apresentou como candidato um advogado descendente de tradicional família residente na cidade. O embate parecia difícil, porque as forças se equiparavam.

A tensão entre as partes contribuía para atos de violência, que terminavam em brigas, gente apanhando de ambos os lados. Cada comício significa tumulto, pois sempre aconteciam xingamentos e lavagem de roupa suja, tanto de um lado com o do outro. “Rabo de palha”, todos os candidatos possuíam.

E continuava a lengalenga, os desafios, as indiferenças, o eleitor dividido preso ao comando do chefe.

No dia da eleição, tudo correu normalmente, dado a presença de força federal, que garantiu o pleito. Ao apurarem os votos, contado de um a um, em chapa nominal, o vencedor foi o médico, por pequena maioria.

Imediatamente começaram as comemorações, com foguetes estourando a cada instante. O coronel, pai do prefeito eleito, queria mais: resolveu insultar seus adversários. E organizou uma passeata para passar bem em frente à casa do candidato derrotado.

O malogrado advogado preparou-se para devolver os insultos. Mandou carregar 36 bacamartes, entupidos de fezes humanas, ao invés de chumbo, tudo na medida além da conta de pólvora, e bucha bem socada, e aguardou a investida da passeata, colocando atiradores em lugares estratégicos.

Ao cair da tarde, tiros de ronqueira anunciavam o início da passeata. Uma multidão com milhares de adeptos do candidato vitorioso tomou a rua, dirigindo-se rumo à casa do advogado derrotado. Este, à frente do seu pessoal, mandou que todos se preparassem para atirar.

Ao escurecer, a turba de adversários apaixonados apontou na esquina e marchou decidida para insultar o derrotado advogado em frente à própria casa... E foi se aproximando aos gritos e desafios. Quando chegaram perto da residência, à distância de alcance de tiros, o advogado ordenou:

- Atenção! Preparar! Apontar! Mirar dos peitos abaixo. Fogo!...
Um estrondo de várias armas disparadas cobriu o ambiente de fumaça e cheiro de pólvora. A correria foi grande. Só ficaram no lugar as pessoas que foram atingidas pelos disparos, porque se acharam feridas, além de sentirem um cheiro nauseabundo entrando pelas narinas. Teve um que, se achando baleado no ventre, passou a mão em algo que escorria perto do umbigo, e ficou gritando:

- Socorro! Socorro! Me acertaram! Fui baleado! Perfuraram meu intestino e furaram minhas tripas!

Foi um horror, a quantidade de pessoas lambuzadas de fezes e escorrendo excrementos pelo corpo. O fato ficou conhecido nos anais da historia de Grotões como “guerra escatológica”.
O caso foi parar na justiça. O coronel vencedor da eleição entrou com uma ação criminal em juízo, processando o advogado por tentativa de homicídio.

Não tardou e o juiz titular da entrância, após estudar o processo minuciosamente, deu a sentença, no quesito final escrita nos seguintes termos:

“Por esse motivo, procurando no Código de Processo Criminal, não encontrei nenhum artigo que indique que tiro de bosta seja um ato criminoso e com intenção de matar. Portanto, absolvo o réu da acusação do crime que lhe é imputado”.

Pedro Cláudio M.Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

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