Luiz Carlos Antero
Grife tradicional
A arrogância de Curió se espelha na tradição da atrasada e truculenta elite brasileira, que, dos “pacificadores” Fernão Dias e Borba Gato aos requintados “humanóides” Filinto Müller e Sérgio Fleury (entre outros, Marco Maciel se refugia na esfera institucional dos caçadores da democracia e dos partidos políticos), escala seus quadros de modo racional para perseguir determinadas metas. E cuida bem deles.
Exemplarmente, Müller, desertor da Coluna Prestes e executor da extradição de Olga Benário como chefe de polícia do Estado Novo, teve uma trajetória que incluiu um encontro com Heinrich Himmler, chefe da polícia política nazista, a Gestapo, em visita oficial a Alemanha no final de 1937, em seguida à instalação da ditadura no Brasil.
Não obstante sua trajetória de crimes (e até por isso, pois, assim como Curió, também realizou prisões arbitrárias e utilizou-se da tortura no trato aos prisioneiros), ocupou cargos de destaque na República, inclusive como líder do governo JK, elegeu-se quatro vezes senador, presidiu nacionalmente a Arena, voltou a ser líder do governo no regime militar e, após ser escolhido presidente do Senado em 1973, faleceu num acidente aéreo em Paris e virou nome de Ala no Senado Federal.
Portanto, no que concerne (pelo menos) a elite, mesmo longe de ter o mesmo tratamento histórico de Müller, não será julgado ou abandonado, como não o foram os “cortadores de cabeça” de diversos tempos históricos. Afinal, o coronel Curió demonstra freqüente benevolência com a tropa, ainda que moralmente submetido aos guerrilheiros: “Eles conheciam a floresta e a tropa militar colecionava muitos erros, como movimentar 300 homens ao mesmo tempo, roupas inadequadas, combatentes não adestrados e falta de rádios de comunicação. Até homens da guarda palaciana, que nem sabiam o que era selva, estavam lá”, narrou à Tribuna da Imprensa (04/03/2004) em suas primeiras revelações após a determinação judicial (agora reiterada) que ordenou a abertura dos arquivos da Guerrilha do Araguaia*.
Que venha o livro do coronel
* No histórico dia 30 de junho de 2003, a juíza da 1ª Vara Federal de Brasília, Solange Salgado da Silva Ramos de Vasconcelos, assinou a sentença (307/2003) que determinou a quebra do sigilo das informações militares de todas as operações referentes à Guerrilha do Araguaia, informando “onde estão sepultados os restos mortais dos familiares dos autores da ação, mortos na guerrilha do Araguaia, bem como para que proceda ao traslado das ossadas, o sepultamento destas em local a ser indicado pelos autores, fornecendo-lhes, ainda, as informações necessárias à lavratura das certidões de óbito”.
A juíza determinou também a apresentação de “todas as informações relativas à totalidade das operações militares relacionadas à guerrilha, incluindo-se, entre outras, aquelas relativas aos enfrentamentos armados com os guerrilheiros, à captura e detenção dos civis com vida, ao recolhimento de corpos de guerrilheiros mortos, aos procedimentos de identificação dos guerrilheiros mortos quaisquer que sejam eles, incluindo-se as averiguações dos técnicos/peritos, médicos ou não, que desses procedimentos tenham participado, as informações relativas ao destino dado a esses corpos e todas as informações relativas à transferência de civis vivos ou mortos para quaisquer áreas”.
E determinou “à ré que, sendo necessário, proceda à rigorosa investigação no prazo de 60 dias no âmbito das Forças Armadas, para construir quadro preciso e detalhado das operações realizadas na Guerrilha do Araguaia, devendo para tanto intimar a prestar depoimento todos os agentes militares ainda vivos que tenham participado de quaisquer das operações, independente dos cargos ocupados à época, informando a este juízo o resultado dessa investigação”.
E completou: “Ultrapassado o prazo de 120 dias sem o cumprimento integral desta decisão, condeno a ré ao pagamento de multa diária que fixo em R$ 10 mil”.
quinta-feira, 10 de julho de 2008
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