Por Dioclécio Luz (assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, Brasília,
julho 2013)
O objetivo deste artigo é fazer um registro do que ocorreu no
período de uma década com relação às rádios comunitárias no Brasil, quando o governo
federal esteve sob o comando do Partido dos Trabalhadores (PT). Analisam-se as
ações do Executivo (o governo estritamente falando) e suas relações com o
Legislativo e as representações da sociedade civil.
Marco zero:
o início do fim
O presidente Lula assumiu em janeiro de 2003, quando já estava em
vigor a Lei 9.612/98, que regulamenta as rádios comunitárias (RC). A legislação
incorpora ainda o Decreto 2.615/98 e a Norma Técnica 01/11.
Nesses dez anos de poder, o Governo PT, que podia alterar toda
legislação, somente mudou a Norma Técnica - e para pior. Ao mesmo tempo deu
mais poderes à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), antes criticada
veementemente pelo PT. Logo ao assumir, o Governo PT ampliou a repressão às
emissoras não autorizadas, algo que o partido também criticava antes. A título
de exemplo, em 2005 (dois anos de PT) foram fechadas 1.086 emissoras de rádio
que funcionavam sem autorização. Isso equivale à média de 90/mês ou 3/dia. No
ano seguinte, a Anatel foi mais eficiente ainda, atingindo a média de 95/mês.
Uma média que tem crescido ano a ano.
É preciso deixar bem claro que, ao lidar com as rádios
comunitárias, o Partido dos Trabalhadores tem adotado uma posição ideológica de
direita. O pior é que faz isso camuflado como aliado das RCs, como se estivesse
atuando com elas. O governo rebate as críticas acusando os críticos de estarem
numa “disputa política”. Diz ainda que essa crítica está a serviço da
“direita”, como se este governo agisse pela “esquerda”. Ocorre que esta postura
de avestruz oculta um mundo real demarcado claramente por uma linha ideológica
de direita; uma linha que segrega e exclui quem faz rádios comunitárias.
A bem da verdade, não se pode generalizar: nem todos os petistas
instalados no governo agiram contra as RCs. Tanto no Executivo quanto no
Legislativo, petistas mantiveram sua coerência defendendo as rádios
comunitárias. A questão é que estes não têm poder para definir e implantar uma
política para o setor. Fez isto o núcleo majoritário do PT no governo:
camuflando-se para se passar por aliado, reproduzindo um falso discurso
democrático para justificar os abusos.
Mas como o Governo PT sustentou essa farsa por dez anos? Por que
só uns poucos revelaram que havia uma farsa, uma engabelação? Uma das respostas
está na utopia: acreditou-se que o PT, sendo guardião da utopia da esquerda,
faria as mudanças pretendidas para o setor. Esta é uma visão romântica (e
messiânica) que o partido explora, manipulando “a esperança do povo”.
Todavia, isso ainda não é o bastante para explicar como “tantos
foram enganados por tanto tempo”, aceitando promessas de que algo jamais seria
feito pelas rádios comunitárias. Ocorre que o Governo PT fez uso de expedientes
que pareciam apontar para o debate democrático no setor. Um deles é o discurso
em defesa da “democracia na comunicação”; outro, o uso de práticas que sugerem
uma “construção coletiva”, ou um “processo coletivo e democrático” – termos
caros aos utópicos defensores do setor.
Por exemplo, se o processo democrático, como se sabe, inclui a
abertura de “diálogo com a sociedade”, os dirigentes, autoridades, técnicos agora
participam de eventos, debates e reuniões. Ocorre que não resultam em nada... O
governo também abre “consultas públicas” - para rejeitar tudo que representa
mudança positiva; cria Grupos de Trabalho - para descartar as propostas que não
lhe agradam; abafa as reivindicações com promessas que não se cumprem. Quando
este governo é questionado por que não modifica a legislação, ele responde com
três clichês: 1) “Esta é a legislação possível”; 2) “Esta é a mudança possível”;
3) Somente o Legislativo pode fazer isso. As três opções se constituem em meias
verdades.
É claro que o PT poderia ter feito muito mais. Em dez anos de
poder, salvo as exceções de praxe (servidores e técnicos que continuam atuando
em defesa das RCs), o Governo do Partido dos Trabalhadores enganou, ludibriou,
enrolou os que fazem rádios comunitárias. E é dessa engabelação política – uma
mentira na história - que se fala aqui. (Continua)
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