Como deve ser tratada a primeira mulher a presidir o país
A eleição inédita no Brasil de uma mulher para a Presidência da República lançou uma questão linguística: Dilma Rousseff é “a presidente” ou “a presidenta” do país?
O tema – qual das duas formas está correta? – passou a ganhar espaço na mídia à medida que o bom desempenho da candidata ia sendo apontado pelas pesquisas de intenção de voto. Jornais, colunas e blogs dedicaram-se a investigar, além do passado da candidata e de seus atributos como postulante ao cargo mais importante da nação, uma suposta tendência de Dilma de usar a palavra “presidenta”, especialmente em seus comícios.
Com a concretização da vitória, o que era uma dúvida menor torna-se uma questão cotidiana. As referências a Dilma terão de ser precedidas do título que ela conquistou, inclusive em ÉPOCA. Afinal, como Dilma Rousseff deverá ser tratada em seu novo posto? E aqui na revista?
Em princípio, como ela quiser. Não há norma na língua que defina uma das formas como errada, nem mesmo menos correta. O professor de língua portuguesa e apresentador de TV Pasquale Cipro Neto diz que a terminação “nte” vem do latim e é comum nas línguas neolatinas, como o português, o espanhol e o italiano. Ela indica o executor de uma ação, normalmente tornando a palavra invariável quanto ao gênero. Por isso, dizemos “o gerente” para homens e “a gerente” quando uma mulher ocupa a função. É o que em português chamamos de substantivo de dois gêneros.
“No caso de ‘presidenta’, talvez pelas conquistas das mulheres em vários territórios, surgiu esse uso, que os dicionários acolheram”, diz Pasquale. “Os três maiores dicionários da língua portuguesa, o Houaiss, o Aurélio e o Aulete, já registram ‘presidenta’ como equivalente de ‘a presidente’, ‘mulher que preside’. As duas formas estão corretas.”
ÉPOCA apurou que Dilma tem simpatia pela palavra presidenta, apesar de uma sondagem feita pelo PT entre agosto e setembro ter constatado que o termo causou estranheza à maioria dos consultados. É a equipe do cerimonial da Presidência, ainda a ser definida, que determinará a forma de tratamento a constar em documentos e atos oficiais. A definição, portanto, só deverá vir em janeiro, data da posse de Dilma, e, a partir de então, respeitaremos sua decisão nas páginas de ÉPOCA (nesta edição, optamos por usar presidenta apenas nas chamadas principais). Mas, quando o assunto é língua, nem sempre as determinações oficiais são seguidas.
A língua é construída diariamente, pelo uso que dela fazem aqueles que a falam e escrevem. Se até hoje a forma “a presidente” esteve disseminada na imprensa e na literatura brasileiras e espelhou uma realidade quase sem mulheres, um cenário protagonizado por uma delas pode inaugurar uma tendência, a das presidentas. Como já houve a oportunidade das doutoras, das ministras... “Vai ser o uso que de fato vai definir o termo. Como acontece na Argentina, em que Cristina Kirchner faz questão de ser ‘la presidenta’, não vai haver saída que não seguir a vontade da própria eleita”, diz Pasquale Cipro Neto. (Araci Reis de França, da Revista Época)
terça-feira, 2 de novembro de 2010
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