domingo, 30 de novembro de 2008

O golpe do malandro

CRÔNICAS DO PC

A tradicional família Pereira Sousa tinha membros espalhados por vários estados do Brasil. O nome era forte, respeitado, porque muitos dos que portavam o sobrenome conseguiram galgar posições de destaque no cenário político, agropecuário e industrial das regiões Norte e Nordeste.

Corria o ano de 1960. Algumas de suas figuras tornaram-se pessoas notórias ao se elegerem, um senador, outro governador, seis deputados federais e quatro deputados estaduais, além de dezenas de prefeitos em importantes cidades, inclusive em uma capital.

O nome Pereira Sousa tornou-se relevado, cheio de prestígio, riqueza e poder. Tinha mais uma particularidade que se tornou tradição: exigia-se que cada membro da família fosse exemplo de tudo, de honestidade, procedimentos e moral. Não se admitia transgressões por qualquer Pereira Sousa, por mais insignificante que fosse. Pai solteiro, mãe solteira, nem pensar!

O casamento constituía-se a única maneira de se viver a dois. Também estávamos nos anos 60.
Foi nessa ocasião que entra de gaiato na história da família o estudante Roberval, jovem, moderno, jogador de tênis em quadras de fundo de quintal, sem outra ocupação.

Pobre, vivia procurando oportunidade para melhorar de vida. Até que encontrou. Começou a namorar Zuleide, filha do prefeito Gonçalo Pereira Sousa, que administrava uma importante cidade.

Cheio de lábia, Roberval conseguiu conquistar o coração da garota, que se apaixonou perdidamente por ele. Seduziu-a tanto que um dia aconteceu o inesperado pela família. A menina inexperiente, apaixonada, não teve topete suficiente e cedeu aos encantos e investidas do bonitão, várias vezes. Bastou para sentir enjôos, cinqüenta e poucos dias depois da primeira.

Roberval, muito feliz e cheio de si, entrou radiante no café onde o esperavam os camaradas, e pra começo de conversa vai avisando que ficou noivo de moça prendada, de pais importantes e ricos.
Na certa, sua situação de liso acabaria brevemente.

Ninguém acreditou na conversa. Logo um pé-rapado igual e ele encontrar um partidão, duvidavam muito! E haja indagação: "Você encontrou, mesmo, alguma família que lhe quis por genro?"

"E por que não? Não sou bacana, charmoso, inteligente, e um futuro campeão da Taca Davis de Tênis, o que me tornará famoso e rico?"

"Larga de sonhar, ó malandro; você nasceu mesmo foi para viver na gandaia, entre nós", duvidou um dos amigos, que conhecia muito bem Roberval.

Outro ainda debochou: "Então, o pai da moça deve ter saído no mínimo da prisão, por algum mal feito".

"Nada disso. É o homem mais honesto desse país", rebateu Roberval.

"Vem a ser o caso. A mãe deve ter casa aberta, ou vender mingau na rua!"

"É a pessoa mais reta do mundo!"

"Nesse caso, a filha é um monstro? É corcunda? É maneta? É torta? É uma desiludida da vida?"

"É linda e pura como um anjo!"

E com aquela simplicidade própria das caras de pau, Roberval emendou: "Tem apenas um probleminha: está ligeiramente grávida, e para assegurar o meu futuro, o pai é o papai aqui".

Realmente. Para a família Pereira Sousa, quando o bucho de Zuleide apareceu foi aquela decepção toda, nunca antes acontecida. Não provocariam um escândalo, seria pior. E foram buscar o Roberval para casar, tudo acobertado, “debaixo de sete capas.”

Para encurtar conversa, Roberval transformou-se em um cidadão respeitado, optando pela carreira política. Foi eleito vereador e presidiu a Câmara Municipal por dois anos seguidos. Alguns de seus amigos tornaram-se assessores diretos no seu gabinete, reconhecendo que Roberval teve muita sorte em chegar aonde chegou.

Soube usar, no momento certo, a “cabecinha” e a cabeçorra.

Pedro Cláudio de Moura Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

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