terça-feira, 4 de novembro de 2008

Cobra no telhado

CRÔNICAS DO PC

Ao amanhecer do dia de uma quarta-feira, quando o sol começava a despontar, eu espreguiçava na cama com aquela tremenda indisposição de me levantar, ainda sonolento, por ter dormido tarde. De repente, ouvi gritos de mulheres da casa vizinha, pedindo ajuda. Pulei da cama disposto a ajudar.

Conheci tratar-se das irmãs Bartira e Luciana, que de olhos arregalados, tremendo dos pés à cabeça, apontavam para o telhado da casa. Bartira, enrolada numa toalha de banho, tentava falar, tilintando os dentes e gaguejando, mas não conseguia pronunciar uma palavra: “Uma co...co...co...co-bra no...no... te... te...te...telhado”. E apontou a mão em direção à cumeeira da casa.

Célia, minha companheira, que já se encontrava ao meu lado, facão na mão com todo aquele ar de valentona, pensando tratar-se de invasão de ladrões (que nas cidades estão vagando soltos pelas ruas), tentou entender o que realmente estava acontecendo. Bartira voltou a explicar, ainda muita nervosa, e falando bem alto para desengasgar e ser ouvida: “TEM UMA COBRA BEM GRANDE NO TELHADO DO BANHEIRO!”

Aproveito para dizer a você que um nordestino com as minhas características, cabra macho do sertão, não tem medo de fera nenhuma, seja ela cobra, onça, leão, tarântula, centopéia e até mesmo lobisomem encantado. Pois é isso mesmo!

Sem mais contar conversa, entrei de porta adentro na casa das mulheres e fui direto ao banheiro. Meu Deus! Pra que fiz isso? O que vi me fez ser cauteloso. Estirada no telhado, se encontrava uma monstruosa cobra toda rajada, língua pra fora, se enrolando toda, o que após ficou aquela rodilha assombrosa. Calculei a bicha ter dois metros de tamanho e bem grossa. Para impressionar as mulheres, eu também coloquei a minha língua pra fora da boca, e fiquei encarando a cobra, soltando assobios parecendo silvos.

Luciana, com a filhinha nos braços, protegia-a como podia, tremendo, temerosa, com medo de a serpente engolir a criança, e achando que ela, fera, havia mamado em seus peitos, por estarem sugados. E sua mãe lhe falava que é costume de cobras mamarem em peitos de mulher parida. Pedi calma, afirmando não ter esse perigo, nem de uma coisa, nem de outra, o que a cobra procurava era ratos para comer.

Célia, mulher que conhece bem o homem que tem, bateu em meu ombro, mostrando um sorriso sarcástico, parecendo ter encontrado o momento de eu mostrar os feitos vantajosos que sempre lhes conto, me encarou e cobrou de mim: “Chegou a hora de você provar sua valentia, meu querido. De tanto ouvir suas histórias e aventuras, acredito, dominar uma cobra mansa vai ser moleza de sua parte”.

Não gostei. Célia estava sendo perversa comigo em me jogar em tamanha boca quente. Quero afirmar, para não restar dúvidas: costumo enfrentar perigos no habitat dos animais. Fora deles, não conheço as manhas, a exemplo de uma monstruosa cobra, trepada no telhado de um banheiro.

Fiquei pensando numa saída para não ficar desmoralizado perante as mulheres. Peguei um pedaço grosso de caibro e segurei firme. Célia foi logo me advertindo: “Não pode machucar e nem matar a cobra. Domine-a, como você me disse que fazia com Caroline, Godofredo e Luisa, três cascavéis criadas em sua companhia”.

Baixei a cabeça, me sentindo lá embaixo perante as duas mulheres vizinhas. Quem manda ser conversador, contador de vantagens? Pensei. Minha sorte foi aparecer outro vizinho, dizendo-se ser o dono da cobra. Pediu licença e calmamente dirigiu-se ao banheiro da casa de Luciana e Bartira. Estalou os dedos, assobiou várias vezes, depois ficou chamando pelo nome da cobra: “Severina! Severina! Desça, minha querida, e se enrole em mim”.

A cobra aos poucos foi se esticando, pondo a língua pra fora, até chegar aos ombros do homem, e se enrolar com toda a calma em seu pescoço. Ele agradeceu a todos nós, e saiu, antes informando: “Severina é uma cobra jibóia mansa, de minha estimação”.

Célia ficou segurando em minha mão, sem dizer uma palavra para não aumentar a confusão. Aquele sorriso zombeteiro, estampado em seus lábios, que eu concluí ser para mim, numa advertência propositada, de não querer mais ouvir bravatas.

Mesmo vendo-me cabisbaixo, sem jeito, frustrado, Bartira e Luciana me agradeceram pela atitude de socorrê-las num momento de perigo, afirmando que homens com minha disposição existem poucos no mundo. E isso me confortou, deixando-me de certa maneira de peito estufado, embora Célia continuasse com aquele desprezível e sarcástico sorriso nos lábios.
Pedro Cláudio de Moura Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

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