CRÔNICAS DO PC
Até hoje em minha vida, nunca encontrei pessoa igual à senhora Isaura Vias Monte, uma mineira casada com um paraense residente em uma cidade localizada à beira do rio Tocantins. Ele é advogado, conhecido causídico criminalista e religioso atuante do Grupo Carismático, da Igreja Católica. Ela é artista de artes plásticas, acostumada a participar de exposições, destacando-se com sucesso, expondo quadros surrealistas e de natureza morta.
Só tem um problema com Isaura, que nenhum psicólogo ou mesmo psiquiátrico conseguiu explicar: sua mania de achar que tudo que pensa, impreterivelmente vai acontecer. Por esse descontrole, digamos assim, psicoemocional*, tem causado muitos problemas para ela e o marido, dr. Monte.
Levada pelo ciúme doentio, fica pensando besteiras, a exemplo de uma recente quarta-feira, quando pensou e achou ser real o marido enlaçando uma bela mulher, trocando carícias amorosas. Só foi ele chegar em casa e pediu explicações, braba, sem se conter:
- E agora, seu safado, me diga quem é a “quenga” dos abraços e beijos.
Dr. Monte, sem nada entender, arregalou os olhos, sem saber o que responder.
- Que história é essa? Eu sou incapaz de lhe trair.
- Mentira! Mentira! Quero saber!
- Por que você afirma?
- Tem cheiro diferente em você!
- Não está vendo? Cortei o cabelo e me barbeei em um salão. O cheiro diferente é de uma loção de barba.
Isaura baixou a cabeça, sem nada dizer. Mesmo assim, cheirou bem cheirada a face de dr. Monte, o que após falou sem mais alteração:
- É que pensei...!
Apenas pensou. Nada mais que mostrasse alguma verdade.
Foi necessária a presença do vigário, muito amigo da família, para explicar de que nem tudo que se pensa pode ter acontecido e ser verdade. E definiu para a mulher confusa: “Pensamento é um ato particular da mente envolta em meditações, criando idéias”.
Pouco adiantou. Não passou um mês e Isaura, que muito pensava, criou outro problema com o marido, que numa noite ao chegar em casa cansado, depois de trabalho árduo no foro, foi rispidamente encostado na parede para ser interrogado:
- Desta vez é verdade. Diga-me, seu estróina, em que você gastou aquele dinheirão todo pago pelo constituinte da briga de faca?
- O velhinho de 81 anos, marido da velha gorda de 79?
- Sim! Isso mesmo. Quero saber.
- “Sê” besta, sua desinformada. A briga não foi de faca, foi de bastão, acompanhada de unhadas e cusparadas. O que ganhei deles para elaborar um documento de paz e promessa de convivência pacífica, passado em juízo, depositei em sua conta poupança. Aqui está o recibo.
Isaura olhou aquele papel amarelo com o número de sua conta bancária. Sorriu, agradeceu, baixou a cabeça e falou arrependida:
- É que pensei!...
É uma despreparada, pensou o marido advogado, só para ele, sem, contudo, se alterar.
De outra feita, dr. Monte teve de viajar a fim de participar de algumas audiências em uma cidade distante, onde poderia demorar dois dias. Demorou quatro e não avisou. Isaura desesperada telefonou para os parentes, amigos, vizinhos, confirmando a morte de dr. Monte, vítima do acidente aéreo acontecido fazia poucas horas, conforme noticiário de rádio e televisão, quando a aeronave em que viajava caiu no mar, não escampando ninguém que estava a bordo.
Foi um deus-nos-acuda, com choro e velas acesas antes do corpo chegar, conforme orientação de uma funerária, já preparando o velório.
Lá pelas tantas da noite, dr. Monte apareceu de repente, bem vestido, de paletó e gravata, vivinho da silva.
Ao vê-lo, Isaura deu um gritinho de alegria, abraçou-se com ele, beijou-o sucessivamente, rindo, saltitando de alegria, limpou as lágrimas dos olhos intumescidos de tanto chorar e exclamou como de costume:
- É que pensei!...
Dr. Monte pensou, irritado. Se não fosse religioso carismático!
Pedro Cláudio de Moura Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br
* Acordo ortográfico
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
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