Movimentos sociais lançam no Pará campanha que tem como lema o que deveria ser mais do que óbvio: “Lutar por direitos humanos não é crime!”
Imagine um lugar onde quem defende o mais fraco é vilão e quem protege o mais forte tem sempre razão. Um mundo onde “mocinhos” são tratados como bandidos e criminosos têm benesses e regalias. Onde quem defende salário justo é atacado, às vezes, com bomba de gás e cassetete, e quem ganha milhões e perde bilhões em apostas financeiras recebe perdão e programas de salvação imediata. Um lugar onde proteger o rio, o verde, a vida em fartura e igualdade, pode ser condenável, enquanto a destruição vira modelo e padrão de desenvolvimento. Esse lugar, infelizmente, existe e ao nosso redor, porém, em geral não é visto e nem percebido como deveria, já que tamanha inversão de valores não costuma estar na pauta do dia e não vira notícia nos grandes meios de comunicação do país.
“Não dá mais para agüentar a perseguição de quem protege os direitos humanos, os direitos ambientais. Hoje se fala somente em defesa e proteção a bancos, enquanto os defensores dos direitos coletivos são tratados como criminosos”, acusa Margarida Pantoja, integrante do Comitê Dorothy Stang, uma das 75 entidades que integram a campanha lançada nesta sexta-feira (17), em Belém.
No Pará, onde foi lançada a Campanha Contra a Criminalização dos Movimentos Sociais, existem hoje mais de 30 lideranças dos movimentos sociais investigadas pela polícia e respondendo processo na justiça por coordenarem mobilizações em defesa do direito a um desenvolvimento sustentável. Outras 10 lideranças, sindicalistas e religiosos estão ameaçados de morte por contrariarem interesses de grandes fazendeiros e madeireiros.
A campanha, no entanto, não se limita ao território do Pará: “A situação do Pará é grave, mas não é só no Pará”, denuncia João Batista, da Conlutas, entidade intersindical de caráter nacional. Segundo ele, a criminalização daqueles que defendem os direitos sociais é só mais uma, a mais nova forma de violência de um modelo de desenvolvimento que historicamente defende o grande capital.
Para Daiane Carlos Hohn, jovem liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a geografia dos conflitos e, portanto, da criminalização está ligada à disputa por recursos naturais. Onde “os recursos naturais estiverem mais propícios e disponíveis para gerar lucro haverá foco de conflitos. Antes era mais no Sul (do país), agora, cada vez mais, será aqui (na Amazônia)”.
Segundo Daiane, 150 lideranças do movimento que reúne em todo o país pessoas que perderam suas terras e casas por inundações de megaprojetos hidrelétricos respondem atualmente a processos judiciais, com penas que variam de 1 a 30 anos. Recentemente, chegou-se às raias do absurdo quando, conforme Daiane, “duas crianças e a cozinheira do acampamento foram indiciadas”.
Os comunicadores de rádios comunitárias são outras vítimas constantes da criminalização por parte da polícia e do estado, que autuam e indiciam, do Judiciário e Ministério Público, que processam e condenam, e de parte da imprensa, concentrada nas mãos de poucos grupos, que dissimula e difama.
Apesar de a Constituição Federal apontar a comunicação como um direito fundamental do cidadão e, portanto, como função pública (art. 21), dezenas de comunicadores populares respondem a processo hoje no Pará, são condenados e ficam sujeitos a multas que chegam a 10 mil reais.
“E preciso fazer pressão sobre o governo federal, sobre o Judiciário, sobre o Parlamento. Não é possível que um país que se diz democrático trate trabalhador rural e urbano, movimentos populares e os apoiadores e defensores de suas lutas como criminosos”, desabafa José Batista, advogado da Comissão Pastoral da Terra, indiciado judicialmente quatro vezes e condenado uma por acompanhar a defesa de trabalhadores de assentamento rurais na região de Marabá. (Nanani Albino)
domingo, 19 de outubro de 2008
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