* Maurício Rands
Muito se fala de reforma política no Brasil. Mas, e a nossa cultura política? Robert Dahl ("Polyarchy", 1971) identificou duas dimensões teóricas essenciais à democracia: 1. nível de permissão de oposição, de contestação e de competição política; e 2. nível de participação da população no sistema político. Para ele, cada uma dessas dimensões exige garantias institucionais: liberdade de associação, de expressão, direito ao voto, direito de ser votado, fontes alternativas de informação, eleições justas e livres, e regras democráticas para formulação das políticas públicas. Mas, para que estas garantias possam dar conteúdo às dimensões democráticas por ele indicadas, não bastam os arranjos institucionais. Há que se desenvolver uma cultura política favorável às referidas garantias. Quanto mais os valores democráticos forem interiorizados pelos cidadãos, mais consolidada será uma democracia. Para que haja oposição e competição política real (1ª dimensão) e ampla participação (2ª dimensão), é necessário que os atores se reconheçam e se legitimem reciprocamente.
O Brasil precisa de mudanças nas regras do jogo político-eleitoral. Mas elas não bastam. Estará nossa cultura política em harmonia com os valores que dão conteúdo à democracia? As sondagens de opinião realizadas sobre a votação da CPMF mostraram uma avaliação dominante de que a oposição a rejeitou movida mais pelo interesse em infligir uma derrota ao presidente e enfraquecê-lo nas próximas eleições.
Idêntica motivação tem estado na base das táticas parlamentares da oposição nos últimos cinco anos. Mais que o mérito da proposta, prevalece o cálculo político quase sempre eleitoral. A lógica binária do jogo de soma zero. Como se a identidade oposicionista somente se afirmasse na rejeição de cada uma das proposições defendidas pelo governo. Como se o ser oposição nada tivesse a ver com a adoção de outros valores e, sobretudo, de projeto global alternativo para o país. Mas esse foi o modelo que o partido do presidente adotou quando estava na oposição, argumenta-se. Como se um modelo equivocado justificasse a sua perpetuação quase que por vendetta. O argumento fica ainda mais frágil quando se observa que o partido do presidente, então, colocava-se contra o conjunto do projeto de governo que estava sendo aplicado. E que, sobretudo, tratava-se de um partido que apenas havia sido fundado, ainda marcado pelas lutas contra um regime ditatorial.
Mas o que dizer de um modelo de oposição fundado na velha lógica quando quem o pratica vem de longa experiência de governo? Talvez uma maior adesão aos valores de uma cultura política mais democrática possa descortinar práticas oposicionistas diferentes das que estamos experimentando.
* Deputado federal e vice-líder do PT na Câmara dos Deputados
segunda-feira, 14 de janeiro de 2008
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