* Pedro Eugênio
Causa-me espanto o espanto dos que não entendem porque as "crises" que têm ocorrido ao longo destes quatro anos e meio de Governo Lula não têm afetado significativamente a aprovação de sua administração. Isto porque, os que se pronunciam declarando sua perplexidade são, em geral, gente que tem, como se diz no popular, "estudo". Era de se esperar deles uma melhor capacidade analítica. Mas, pelo visto, este melhor posicionamento intelectual parece sobrepor-se ao pensamento repisado pela maior parte da mídia que se esmera em atribuir à Lula e ao seu governo todos os defeitos do mundo - não bastassem os verdadeiros, que ninguém é perfeito.
Porém, esta vulnerabilidade aos ataques sistemáticos da mídia não pode, apenas, a meu ver, ser explicado pela mecânica do processo de massificação e mistificação dos meios de comunicação de massas, em si mesmo. Isto porque, para irmos mais fundo na questão, temos que responder o porquê da existência desta vulnerabilidade. E aí caímos, inevitavelmente, na questão das classes que compõem o tecido social de nosso País. Ou seja, lembro que cada segmento social, de certa forma, vê o que sua posição na sociedade lhe permite ver. A perspectiva de cada um é a dos seus interesses próprios, é a dos interesses de sua classe social.
O golpe de 64 gerou o regime autoritário, que durou, enquanto regime, 20 anos. Mas do ponto de vista de seus efeitos ideológicos, ainda está aí a essência do autoritarismo. Ou seja, desarticulação social, fragmentação dos movimentos sociais, ascendência de uma classe média apartada de um processo progressista de compromisso com o desenvolvimento geral da sociedade, ligada tão somente ao acesso "dos seus" privilégios, e o resto que se dane, como se diz.
Foi a liquidação dos partidos de então, do movimento estudantil, dos movimentos culturais, das reformas democratizantes, incluída aí a reforma agrária, e o estabelecimento, à época, de um vigoroso ciclo de crescimento com exclusão social que gerou este monstruoso quadro. Que importava que o sistema educacional se deteriorasse se eu poderia pagar para os meus filhos boas escolas particulares? Que se dane o sistema de saúde pública, se para os meus posso bancar um plano de saúde particular! Que importa se tem gente desempregada aos montes, sendo expulsa do campo e indo morar debaixo dos viadutos, se por eles passo incólume com meu corcel cor de mel?
E aí, quarenta e tantos anos depois, que importa que 11 milhões de famílias que viviam na fome tenham saído desta condição pelo maior e mais bem sucedido programa de renda mínima que conhecemos? Que importa que todo ano cerca de 700 mil famílias de agricultores no Nordeste tenham passado a ter acesso a crédito no campo? Que importa que o País tenha entrado em processo consistente de crescimento? Que tenha passado a contar de novo com o Estado para desenvolver nossa marinha mercante, nossa indústria petroquímica?
Que importa tudo isto, se o sistema aéreo, que há 20 anos não recebia investimentos explodiu agora e estou amargando absurdas esperas e angustiados e desesperados medos de acidentes e então os avanços sociais e econômicos vale nada e nenhuma responsabilidade dos acúmulos de tantos anos passados precisam ser apontados mas, pelo contrário, tenho é que entrar no coro geral e apontar o dedo para o Lula e atribuir-lhe toda a culpa. E ficar sem entender porque a esmagadora maioria do nosso povo, sintonizada com a realidade real (desculpem-me o pleonasmo) aprovem o governo dele enquanto que os que têm mais estudo só vêem o desmoronamento que vinha se acumulando há décadas e não era percebido nos aspectos pontuais, embora graves, daquilo que lhes afeta diretamente.
Muitos erros de condução em vários processos, inclusive nesta crise aérea foram cometidos pelo governo, vale reconhecer. Mas ignorar o conjunto, a história e a condição da maioria do nosso povo é, do ponto de vista político, trágico erro de perspectiva que merece ser corrigido por quem tem o privilégio do acesso quase que ilimitado a informação.
* Deputado federal (PT-PE)
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