* Edival Lourenço – O Homo sapiens, essa cereja do bolo do processo evolutivo, apesar de todo orgulho e jactância, não passa de um produto da Natureza, assim como a ameba, o mofo, a formiga, o ipê-roxo, o puma dos prados e tudo o mais quanto é ser vivente que há.
Como criatura da Natureza, somos oportunistas. Oportunista aqui no sentido de que só pudemos existir quando a Natureza criou as condições bastantes e necessárias para tal. E vamos deixar de existir quando a fila andar e a Natureza retirar as condições que nos permitem viver e alastrar o nosso processo cultural e civilizatório.
Muito antes de nós, os insetos e répteis habitavam este planeta conflagrado pelas intempéries. Havia rompimentos e colisões de placas tectônicas descomunais, com erupções vulcânicas repercutindo por todo o planeta, com alteridades climáticas impossíveis de ser toleradas pelos mamíferos. Havia trombadas de corpos celestes pelo universo afora, com estilhaços resvalando na Terra em toda parte. Inclusive a Lua seria um pedaço da terra que se soltou numa dessas colisões e acabou por acomodar-se num ponto de equilíbrio gravitacional sob influência de nosso planeta.
Só para se ter uma ideia, a monumental fragmentação e colisão de placas, cerca de 23 milhões de anos atrás, fez levantar na planície amazônica de então a cordilheira dos Andes. Os rios daquela bacia enorme faziam a captação hidrológica de toda a região e desaguavam no pacífico. Com a muralha geológica que se levantou nesse período, formou-se um enorme lago aos pés dos Andes. Com a água se acumulando incansavelmente e a sucessão de outros movimentos da crosta, os rios acabaram por se arrepender, deram marcha à ré e formaram a bacia amazônica do jeito que a conhecemos, colhendo as águas desde a vertente dos Andes até cair no Atlântico. Os Alpes na Europa e o Himalaia na Ásia são outros exemplos de cadeias montanhosas formadas a partir de colisão de placas tectônicas.
Agora imaginemos a devastação que esses fenômenos causavam ao redor do planeta. Diante daquele cenário, o terremoto de Lisboa de 1755, o Tsunami da Indonésia de 2004, e os recentes terremotos do Haiti e do Japão não passariam de espetáculos inocentes para divertir a turminha do jardim de infância.
Nessa época, e mesmo muito antes, várias espécies já ocupavam o planeta. As formigas e as baratas, por exemplo. As formigas estão por aí há mais de 100 milhões de anos, descendentes de vespas muito mais antigas, que remontam ao período jurássico. O Homo sapiens moderno, descendente do arcaico, teve seu início há cerca de 200 mil anos. Ou seja, em termos evolutivos acabamos de acontecer. Mas, de 200 mil anos atrás, até há 10 mil, o ser humano sobreviveu como coletor em estilo de vida nômade, correndo das intempéries naturais.
Quando as intempéries amenizaram (a Terra reduziu as atividades sísmicas, o clima estabilizou-se consideravelmente, o regime de secas, chuvas, frio, calor resultante das estações do ano ganhou uma rotina mais ou menos previsível), as manadas de humanos nômades começaram a se estabelecer em ajuntamentos e então foi dado início à agricultura e à domesticação de animais. As cidades nasceram, sendo Jericó a primeira murada, no vale do Rio Jordão, Palestina (3.500 a. C. — seria a precursora dos condomínios fechados que são vendidos como a última novidade em moradia?). Desde então inventamos a roda, a religião, a escrita, a literatura, a filosofia, o livro, o antibiótico, a rede mundial de computadores. Descobrimos a cura de várias doenças e o assassinato em massa, a produção e acumulação de riquezas e o exaurimento dos recursos naturais. Estudiosos defendem que a organização social, com a consequente evolução civilizatória, só foi possível graças a uma janela de amenidade climática que se abriu sobre nós nos últimos 10 mil anos. Caso contrário, seríamos ainda grupos coletores correndo abaixo e acima dos predadores e das adversidades do tempo.
Dentro da era cenozoica, por intervenção humana abriu-se o período antropoceno, a partir do século XVIII, quando a atividade do Homo sapiens começou a impactar firmemente o clima na Terra e o funcionamento de seus ecossistemas. Naturalmente, não temos noção de quando essa janela de amenidade climática vai se fechar. No entanto, com a nossa intervenção, essa oportunidade evolutiva que a natureza nos deu já vai se fechando rapidamente. Quer pela dizimação dos ecossistemas, quer pelo exaurimento dos recursos naturais, quer pelo excesso de poluição atirada ao espaço que vai retirando de nossa cobertura a camada de ozônio.
Apesar de que somos diferenciados das demais espécies pela nossa capacidade intelectual, parece que, quando se trata de preservação da Natureza, somos vendados por uma estupidez sem tamanho. Quando saem as metas de preservação das convenções de sustentabilidade, como a Rio 92 e a Cop 10, os países são unânimes em alegar que para cumpri-las será preciso primeiro acumular mais riquezas. Ou seja, antes de começar a preservar, será preciso estragar um pouco mais.
Nesse jogo de empurra, acabaremos por colocar nosso meio ambiente numa condição de descarrilamento, de singularidade total, quando não será mais possível recobrar uma posição minimamente segura. Que iremos um dia morrer como espécie, não tenha dúvidas. Só não precisava era apressar as coisas tanto assim.
* E escritor, autor de Naqueles Morros, Depois da Chuva, Editora Hedra
Como criatura da Natureza, somos oportunistas. Oportunista aqui no sentido de que só pudemos existir quando a Natureza criou as condições bastantes e necessárias para tal. E vamos deixar de existir quando a fila andar e a Natureza retirar as condições que nos permitem viver e alastrar o nosso processo cultural e civilizatório.
Muito antes de nós, os insetos e répteis habitavam este planeta conflagrado pelas intempéries. Havia rompimentos e colisões de placas tectônicas descomunais, com erupções vulcânicas repercutindo por todo o planeta, com alteridades climáticas impossíveis de ser toleradas pelos mamíferos. Havia trombadas de corpos celestes pelo universo afora, com estilhaços resvalando na Terra em toda parte. Inclusive a Lua seria um pedaço da terra que se soltou numa dessas colisões e acabou por acomodar-se num ponto de equilíbrio gravitacional sob influência de nosso planeta.
Só para se ter uma ideia, a monumental fragmentação e colisão de placas, cerca de 23 milhões de anos atrás, fez levantar na planície amazônica de então a cordilheira dos Andes. Os rios daquela bacia enorme faziam a captação hidrológica de toda a região e desaguavam no pacífico. Com a muralha geológica que se levantou nesse período, formou-se um enorme lago aos pés dos Andes. Com a água se acumulando incansavelmente e a sucessão de outros movimentos da crosta, os rios acabaram por se arrepender, deram marcha à ré e formaram a bacia amazônica do jeito que a conhecemos, colhendo as águas desde a vertente dos Andes até cair no Atlântico. Os Alpes na Europa e o Himalaia na Ásia são outros exemplos de cadeias montanhosas formadas a partir de colisão de placas tectônicas.
Agora imaginemos a devastação que esses fenômenos causavam ao redor do planeta. Diante daquele cenário, o terremoto de Lisboa de 1755, o Tsunami da Indonésia de 2004, e os recentes terremotos do Haiti e do Japão não passariam de espetáculos inocentes para divertir a turminha do jardim de infância.
Nessa época, e mesmo muito antes, várias espécies já ocupavam o planeta. As formigas e as baratas, por exemplo. As formigas estão por aí há mais de 100 milhões de anos, descendentes de vespas muito mais antigas, que remontam ao período jurássico. O Homo sapiens moderno, descendente do arcaico, teve seu início há cerca de 200 mil anos. Ou seja, em termos evolutivos acabamos de acontecer. Mas, de 200 mil anos atrás, até há 10 mil, o ser humano sobreviveu como coletor em estilo de vida nômade, correndo das intempéries naturais.
Quando as intempéries amenizaram (a Terra reduziu as atividades sísmicas, o clima estabilizou-se consideravelmente, o regime de secas, chuvas, frio, calor resultante das estações do ano ganhou uma rotina mais ou menos previsível), as manadas de humanos nômades começaram a se estabelecer em ajuntamentos e então foi dado início à agricultura e à domesticação de animais. As cidades nasceram, sendo Jericó a primeira murada, no vale do Rio Jordão, Palestina (3.500 a. C. — seria a precursora dos condomínios fechados que são vendidos como a última novidade em moradia?). Desde então inventamos a roda, a religião, a escrita, a literatura, a filosofia, o livro, o antibiótico, a rede mundial de computadores. Descobrimos a cura de várias doenças e o assassinato em massa, a produção e acumulação de riquezas e o exaurimento dos recursos naturais. Estudiosos defendem que a organização social, com a consequente evolução civilizatória, só foi possível graças a uma janela de amenidade climática que se abriu sobre nós nos últimos 10 mil anos. Caso contrário, seríamos ainda grupos coletores correndo abaixo e acima dos predadores e das adversidades do tempo.
Dentro da era cenozoica, por intervenção humana abriu-se o período antropoceno, a partir do século XVIII, quando a atividade do Homo sapiens começou a impactar firmemente o clima na Terra e o funcionamento de seus ecossistemas. Naturalmente, não temos noção de quando essa janela de amenidade climática vai se fechar. No entanto, com a nossa intervenção, essa oportunidade evolutiva que a natureza nos deu já vai se fechando rapidamente. Quer pela dizimação dos ecossistemas, quer pelo exaurimento dos recursos naturais, quer pelo excesso de poluição atirada ao espaço que vai retirando de nossa cobertura a camada de ozônio.
Apesar de que somos diferenciados das demais espécies pela nossa capacidade intelectual, parece que, quando se trata de preservação da Natureza, somos vendados por uma estupidez sem tamanho. Quando saem as metas de preservação das convenções de sustentabilidade, como a Rio 92 e a Cop 10, os países são unânimes em alegar que para cumpri-las será preciso primeiro acumular mais riquezas. Ou seja, antes de começar a preservar, será preciso estragar um pouco mais.
Nesse jogo de empurra, acabaremos por colocar nosso meio ambiente numa condição de descarrilamento, de singularidade total, quando não será mais possível recobrar uma posição minimamente segura. Que iremos um dia morrer como espécie, não tenha dúvidas. Só não precisava era apressar as coisas tanto assim.
* E escritor, autor de Naqueles Morros, Depois da Chuva, Editora Hedra
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