André Coelho
Algumas das minhas considerações sobre a Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010, chamada Lei da Ficha Limpa, bem como sobre a mobilização nacional em torno dela e o impasse do STF em torno da sua constitucionalidade e aplicabilidade.
Tópico 1: É constitucional?
Minha opinião: Não, não é, pelos motivos seguintes: a) estabelece casos de inelegibilidade que a Constituição não previa e que não se depreende dela (penso que inelebilidade é perda de direitos políticos, matéria que, porque ligada à cidadania, é tão séria que só se pode regular sobre ela segundo os estritos limites postos pela Constituição); b) muda as regras do jogo no ano da eleição, em flagrante casuísmo (esse argumento é um pouco mais complicado de defender, porque nesse caso acho que não contraria a letra, e sim o "espírito" da Constituição, em matéria eleitoral); c) vai contra a presunção de inocência, ao exigir apenas condenação por órgão colegiado, e não por sentença transitada em julgado; d) vai contra a estrita legalidade e a irretroatividade da lei para prejudicar o réu, uma vez que aplica sobre ele sanções que não estavam previstas para o crime, infração ou irregularidade que ele cometeu ao tempo em que a cometeu.
Tópico 2: É uma boa lei?
Minha opinião: Não, não é, pelos motivos seguintes: a) procura tornar inelegíveis pessoas que na verdade se pensa que não deveriam ser eleitas, transferindo para o nível da elegibilidade (quem pode ser candidato?) uma discussão que deveria pertencer ao nível da eleitoralidade (quem deve ser eleito?); b) faz isso por pressupor que, se não forem impedidas de candidatar-se, tais pessoas provavelmente serão eleitas, o que significa que põe em dúvida a capacidade do povo de julgar e escolher e adota a atitude paternalista de proteger contra si mesmo um povo que se julga não ser apto para votar bem (mais ou menos como os pais fazem quando tiram do alcance da criança um instrumento perigoso que julgam que o filho não tem discernimento bastante para evitar).
Tópico 3: A maioria das pessoas é favorável à lei. Isso deveria influenciar a decisão do STF acerca de sua constitucionalidade?
Minha opinião: Mesmo correndo o risco de ser óbvio, direi: Não, não deveria. O STF não é nem deve ser um instrumento da vontade majoritária. Pelo contrário, é órgão contra-majoritário de defesa da Constituição e dos Direitos Fundamentais. Deve decidir pela constitucionalidade da referida lei apenas se chegar à conclusão de que ela não ofende nem direitos fundamentais, nem mandamentos constitucionais. (Aqui alguém poderia me acusar de contraditório. Se penso que o povo deve decidir segundo seu próprio discernimento, a ideia de órgãos contra-majoritários, que protegem direitos mesmo contra a vontade da maioria, não cairia no mesmo paternalismo criticado na resposta acima? Penso que não. Há direitos que são tais que sem eles não existem as condições mínimas de autonomia privada e pública dos cidadãos e não pode haver deliberações democráticas válidas. São esses direitos que os órgãos contra-majoritários devem defender, mesmo contra a vontade da maioria, simplesmente porque a vontade da maioria só deve ser levada em conta em procedimentos legítimos e tais direitos são necessários para a legitimidade dos procedimentos. Mas os órgãos da democracia, seja os majoritários, seja os contra-majoritários, não devem se substituir ao povo para julgar quem deve ou não ser eleito. Isso é paternalismo.)
Tópico 4: Há, nesse momento, um impasse no STF, dado o empate de 5 x 5 dos votos dos ministros a respeito da constitucionalidade e da aplicabilidade imediata da lei. Que se deve fazer, então?
Minha opinião: Penso que, se metade dos ministros do STF entende que a lei viola direitos fundamentais e mandamentos constitucionais, já temos aí motivo bastante para suspender sua aplicação. Alguém poderá levantar o argumento de que a lei, uma vez aprovada, se presume constitucional, sendo necessária posição de maioria dos ministros para afastar essa presunção. Concordo com o argumento, mas acho que a presunção de constitucionalidade não é uma regra que vale por si, e sim como corolário da autonomia do Legislativo e da segurança jurídica, princípios que, aqui, me parecem pesar menos que os possíveis direitos fundamentais que estão em jogo. (Fonte: Blog Filósofo Grego)
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
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