Nós, mulheres brasileiras, presentes no 9º Encontro
Internacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), realizado em São Paulo,
entre os dias 25 e 31 de agosto de 2013, reafirmamos a resistência, o
enfrentamento e a construção de alternativas ao modelo patriarcal, capitalista,
racista, lesbofóbico e colonial.
A MMM constrói desde o cotidiano, e a partir da
realidade das mulheres, uma ação local conectada à articulação mundial em que a
solidariedade é um eixo estruturante. Essa experiência se consolidou como uma
força mundial, atualizando o feminismo como um projeto para garantir a
igualdade entre todas as mulheres, nos marcos da construção de uma sociedade de
mulheres e homens livres e iguais, sem discriminação de raça/etnia e com o
livre exercício da sua sexualidade.
Reconhecemos que é fundamental enegrecer o feminismo
e aprofundar a reflexão entre patriarcado, colonialismo e opressão étnico
racial, para resgatar nossas ancestralidades e fortalecer a presença das
mulheres indígenas entre nós.
O capitalismo passa por um importante processo de
reestruturação para manter a ordem atual de exploração e opressão, reforçado
com a atual crise mundial, evidenciando que vivemos em um modelo injusto e
insustentável. Frente a todas as crises, esse sistema apresenta falsas
soluções, que significam mais mercado e mais concentração de renda, impostas
por meio de um processo violento dos estados.
A expropriação da natureza, os ataques aos direitos
e soberania dos povos, o controle sobre o corpo e a vida das mulheres, o
aumento da militarização, a criminalização e a violência são mecanismos que
sustentam a acumulação por espoliação.
A uma economia de mercado corresponde uma sociedade
de mercado, com destaque para a expansão da mercantilização em todas as
dimensões da vida humana. Isso se dá especialmente com a exploração do corpo
das mulheres, desde a indústria da beleza, até o tráfico e a prostituição.
Nosso corpo é constantemente controlado e regulado, a partir de padrões morais
de sexualidade – heteronormativa, fálica, lesbofóbica e focada no prazer
masculino – e na maternidade.
Reafirmamos que a prostituição é estruturante do
sistema capitalista e patriarcal. Nossa visão não é nem liberal, nem moralista,
mas reconhece o direito das mulheres viverem sua sexualidade livremente.
Repudiamos a cooptação do discurso feminista “meu corpo me pertence” para “meu
corpo é meu negócio”. Por isso, somos contra o projeto do deputado Jean Wylis,
que, ao invés de contribuir para a melhoria de condições de vida das
prostitutas, legaliza que a sexualidade, como um serviço mercantil, reforça a
cafetinagem e aprofunda a exploração das mulheres.
Denunciamos a imposição da maternidade como destino
obrigatório das mulheres e reafirmamos a autonomia de decisão sobre os nossos
corpos e o direito ao aborto legal, seguro e público. Reafirmamos nossa visão
de que a sexualidade é construída socialmente, e defendemos a lesbiandade como
fundamental para o livre exercício da sexualidade sem coerção, sem estereótipos
e sem relações de poder.
A violência patriarcal está presente no cotidiano da
vida de todas as mulheres. Ela é, muitas vezes, naturalizada e legitimada, e se
fortalece também com as desigualdades de classe e raça, revelando o não
reconhecimento das mulheres como sujeitos autônomos. Os dados deveriam
assustar, principalmente diante do fato de que ainda há muito para ser
denunciado, como os estupros coletivos e corretivos, o abuso sexual contra
crianças e a impunidade em relação ao grande número de assassinatos de
mulheres.
Exigimos a condenação dos estupradores integrantes
da Banda New Hit, que barbaramente violentaram duas fãs adolescentes na Bahia,
e dos estupradores assassinos de Queimadas, na Paraíba. Exigimos a aplicação
plena da Lei Maria da Penha. Em todos os casos, denunciamos a culpabilização
das mulheres pela violência sofrida.
Nesse contexto, se intensificam a mercantilização
dos bens comuns e o avanço e controle dos territórios para o agronegócio. O
avanço sobre os territórios indígenas e quilombolas provoca morte e destruição.
O povo Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul tem sido vítima de homicídios em número
maior do que os países em guerra. Nas áreas urbanas há um aumento da
especulação imobiliária, incentivada por grandes obras encomendadas pelos
megaeventos. As mineradoras ampliam as áreas de exploração, gerando degradação
da natureza e retirando as formas de sustento das mulheres. Isso está
diretamente relacionado com o reforço da militarização e da exploração do corpo
e trabalho das mulheres.
Exigimos que os recursos públicos, em particular do
BNDES, não sejam destinados às grandes empresas para financiamento do
agronegócio, dos megaeventos e do capitalismo verde. Denunciamos a imposição
dos agrotóxicos e das sementes transgênicas, gerando dependência das
agricultoras e agricultores. Somos protagonistas da resistência e da defesa de
nossos territórios, a exemplo das mulheres de Apodi, em luta contra o agro e
hidronegócio, e da afirmação da agroecologia como meio de produção de alimentos
saudáveis, fundamentais para a garantia da soberania alimentar.
Nesse modelo, o tempo e o trabalho das mulheres são
utilizados como um fator de ajuste. A economia de mercado se sustenta a partir
do nosso trabalho não remunerado e da desigualdade que vivenciamos no trabalho
remunerado. Presenciamos um aumento do conservadorismo, com a valorização do
papel das mulheres na família para justificar a sua sobrecarga de trabalho.
Construir a economia feminista e solidária significa
alterar os padrões de (re)produção, distribuição e consumo, além de reconhecer
e valorizar o trabalho doméstico e de cuidados como fundamentais à
sustentabilidade da vida humana.
O estado capitalista é patriarcal, organizado a
partir de uma lógica androcêntrica que reforça a divisão sexual do trabalho e
as formas de controle sobre o corpo e a sexualidade das mulheres. O modelo de
desenvolvimento hegemônico funciona a serviço das grandes empresas,
expropriando os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, violentando as
mulheres e tendo na militarização um de seus pilares de sustentação.
Lutamos para alterar essa lógica, o que só será
possível se houver vontade política e incorporação de uma perspectiva
feminista, que hoje é traduzida pela agenda de despatriarcalização do estado. É
preciso garantir políticas emancipatórias construídas com base na soberania e
na participação popular.
Somos solidárias às companheiras de várias partes do
mundo que têm seus meios de vida afetados pelas empresas extrativistas, pela
Vale e pela expansão do agronegócio como o projeto Pró-Savana, em Moçambique.
Questionamos a presença militar do Brasil em missões militares no Haiti e na
República Democrática do Congo, bem como a compra de armas e tecnologia militar
de Israel. A Organização Mundial do Comércio retoma negociações que reforçam a
assimetria entre os países e a mercantilização da vida. O Brasil, ao contrário,
deve promover outra integração, baseada na redistribuição, na solidariedade e
na reciprocidade, o que nós mulheres do mundo já estamos construindo através de
nossos movimentos.
Nossas formas de ocupação dos espaços públicos e
políticos expressam a irreverência e a ousadia coletiva das mulheres. A partir
dos nossos métodos, ritmos e vozes, construímos a cultura feminista
contra-hegemônica, que incorpora a juventude em um processo integrador de
várias gerações como parte de um projeto comum de transformação de nossas
vidas.
Resistimos ao monopólio dos meios de comunicação, à
lógica da propriedade intelectual e ao controle dos fluxos de informação que
violam nossa privacidade e privilegiam corporações transnacionais, construindo
as nossas alternativas de produção de conteúdos, linguagens e meios de
comunicação vinculados às lutas emancipatórias e por soberania popular.
Afirmamos que a auto-organização das mulheres é
nossa estratégia de fortalecimento como sujeito político que constrói uma força
mundial, em aliança com os movimentos sociais que compartilham da luta anticapitalista,
e por uma sociedade baseada nos valores de liberdade, igualdade, justiça, paz e
solidariedade.
São Paulo, 31 de agosto de 2013
Marcha
Mundial das Mulheres
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