CRÔNICAS DO PC
Entrada de ano-novo, todo mundo esperançoso de um 2010 melhor. É próprio do ser humano ter esperança, querer mais, para assim conduzir a vida, usufruindo-se do resultado do seu esforço, que tanto fez para adquirir o suficiente e viver bem.
Todos nós somos assim, inclusive o senhor Messias, um trabalhador da construção civil, que sobrevive de empreitadas, trabalhando de obras em obras. Ele é vizinho do doutor Serra, médico endocrinologista, muito respeitado no meio onde vive. Conheço os dois cidadãos, e fiquei a observá-los dos dias 24 a 3l, para saber as diferenças entre um e outro nas comemorações natalinas e de ano-novo.
Doutor Serra, na quinta-feira, véspera do Natal, foi ao supermercado, acompanhado da esposa, fazer compras. Em pouco tempo encheu dois carrinhos de tudo que necessitava. Tinha peru, vinhos, nozes, uísque, champanhe francesa, chocolates, queijos, tudo de bom e do melhor, preparando-se para um Natal e ano-novo fartos, rodeados de familiares e amigos convidados.
Já o operário Messias, amanheceu o dia 24 coçando a cabeça. No bolso pouco dinheiro, embora tenha recebido o salário da quinzena e o 13° ganhava diária de 50 reais. Quase “duro”, não podia pensar em presentes para a mulher e filhos. É isso mesmo! Entendia a situação e guardava tudo amargurado, sem nada poder fazer.
Um trabalhador de seu nível vivia espremido, nunca o dinheiro sobrando para outras novidades. Passar já era um desafio. Com o pouquinho que tinha, sem outro jeito, foi fazer compras numa feira livre, pegar dois quilos de pernil, um frango, verduras e ingredientes de rabanadas. Em lugar do vinho, preferiu um litro de pinga para preparar “caipirinha”. De sobra, três litros de tapioca fresca e ovos. A mulher sabia fazer roscas gostosas.
Doutor Serra estava feliz. Em sua bela casa, realizou um Natal organizado, regado de tudo bom, e teve ainda um ano-novo muito festejado, em companhia de pessoas ligadas a ele. Só esperava 2010 ser mais promissor.
O operário Messias e a esposa Rosalinda, vestidos de brancos, abraçados, aos quatro filhos, após passarem um Natal característico de pessoas pobres, viam o movimento da casa em frente, pertencente a doutor Serra, com muitos carrões estacionados de convidados ilustres, fazendo a maior farra, mostrando as diferenças entre quem tem dinheiro e de quem é liso.
Sem outra opção, ficaram de olhos fixos na TV, assistindo o réveillon do Faustão, as crianças comendo pipoca com refresco à base de Q-Suco de morango. A sua caipirinha estava gostosa, de gole em gole bebia prazerosamente, ajudado pela esposa, que de vez em quando colocava em sua boca um pedacinho de franco assado em espetinhos e matava cafuné em sua cabeça, no maior carinho do mundo. Os dois pareciam dois pombinhos, e isso era verdade. Amavam-se com devoção.
À meia-noite, aconteceu aquela vibração em toda a cidade, a população comemorando a entrada do ano-novo. Fogos estouravam em todas as partes. Doutor Serra soltou uma sequência de girândolas multicoloridas, dando um ar de graça às imediações, o que o operário Messias achou espetacular. Sua caixa de foguete, tiro canhão, só foi usada ao raiar do dia, ocasião em que se encontrou com o doutor Serra e trocaram abraços cordiais de felicitações.
Começava 2010, e a esperança de dias melhores. Cansados e com sono, o operário Messias e o médico doutor Serra recolheram-se para dormir. O primeiro, em seu quartinho apertado, muito quente, cujo ventilador ligado, embora zoando muito, amenizava o calor. Já o aposento do médico era espaçoso, com ar condicionado contribuindo para um sono tranquilo.
Ao fechar os olhos, antes de agarrar no sono, o operário Messias fez preces a Deus, pedindo melhora para sua vida e da família, sem nunca ter a inveja e ambição de querer chegar perto, se igualando ao doutor Serra, porque não estudou. Sabia que as diferenças sempre existiriam, dividindo as classes sociais, de operários e doutores bem sucedidos.
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
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