Reinaldo Azevedo
Já é um clichê citar a indagação retórica que o ditador soviético Stálin teria feito a Roosevelt e Churchill quando os três decidiam que cara teria o mundo no pós-guerra, e alguém lembrou de restrições que Pio 12 fazia a isso ou àquilo. O bigodudo homicida não teve dúvida: “Mas quantas divisões [militares] tem o papa?” Era a sua maneira de ser prático, entenderam? Para Stálin, a regra do humanitismo de Quincas Borba, personagem de Machado de Assis, deveria ser levada ao pé da letra: “Ao vencedor, as batatas” — no caso, os países. Mas quase me desvio. Volto ao ponto. A exemplo de Stálin, Lula também acredita que quem tem divisões pode negociar; quem não tem deve suportar o que vier. E é isso o que me leva a indagar: “Mas quantas divisões tem a imprensa?” Vamos com calma.
Lula aceita mudar o texto do famigerado Programa Nacional de Direitos Humanos III. Como viram, leitores, interceptamos o urubu em pleno vôo, não é mesmo? Topa, segundo se apurou, duas alterações: amenizar a referência ao aborto e substituir a palavra “repressão” por “conflitos”. Assim, a tal Comissão da Verdade teria de investigar “conflitos” havidos durante o regime militar — o que abriria a possibilidade de apurar também os crimes cometidos por terroristas de esquerda. Como entender essa coisa?
A crise com os militares, que muita gente tentou negar, é, como escrevi aqui no dia 31, muito séria. O conteúdo obviamente persecutório e revisionista do documento conta. Mas conta também a trapaça. O texto tinha sido negociado, e o acordo não foi cumprido. Daí que, a ficar o texto como está, os comandantes militares não têm como permanecer no cargo. É claro que seriam substituídos por outros, mas a unidade militar estaria inexoravelmente abalada, e Lula não precisa de uma crise nas Forças Armadas — um dos entes de maior prestígio junto aos brasileiros — no último ano de mandato.
A questão do aborto nada tem a ver com a posição da Igreja Católica, como querem alguns tontos. Há até delirantes senis que resolveram acusar uma grande conspiração do Opus Dei — essa gente deve andar lendo o Código Da Vinci… — para mudar essa parte do programa. Embora Lula tenha sido avisado, evidentemente, dos aspectos mais problemáticos do documento, é quase certo que não o tenha lido inteiro. Ele já afirmou que fica com sono quando tem de encarar esse negócio de uma palavrinha na frente da outra. Dá pau no seu cérebro. A fama de “governo aborteiro” em ano eleitoral não é conveniente. A maioria da população brasileira é contrária à descriminação do aborto. E só! Lula não quer mudar mais nada.
Se estivesse atendendo aos “conservadores católicos”, como querem alguns trouxas, aceitaria suprimir também o trecho que defende o banimento dos símbolos religiosos (leia-se: crucifixo) das repartições federais. É claro que se trata de uma medida autoritária e que afronta a história do Brasil. Mas, com isso, Lula concorda. Quer que a Igreja se dane: “Quantas divisões tem o papa?” Ele só teme as divisões militares e as divisões eleitorais.
Agora a imprensa
No que diz respeito à imprensa, Lula não quer mudar nada. Foi convencido por Franklin Martins e sua turma de que o setor não tem mais a menor importância. Não tem divisões. Às vezes, a gente é tentado a achar que eles estão certos, não é mesmo? Mas é preciso lembrar que nem todos estão rendidos. Uns têm armas, outros têm votos. O que tem a imprensa além de uma penca de adesistas infiltrados, empenhados em vender as verdades eternas do petismo? É o que vamos ver.
Aqui e ali já se nota a obra dos áulicos, empenhados, calculem, em atribuir ao governo FHC aspectos nefastos do programa. Já desmoralizei essa tolice no domingo. Quem é capaz de ler o que está escrito sabe que se trata de uma mentira grotesca. Essa porosidade do jornalismo à versão oficial faz com que Lula, Franklin e caterva considerem que a imprensa está no papo: não tem divisões!!!
O presidente também não quer mudar o trecho que trata das invasões de terras — rurais e urbanas, diga-se. Embora o país dependa vitalmente do agronegócio, sabe que a rede de difamação dos “ruralistas” é poderosa. É bem provável que um projeto de lei que buscasse dar dimensão prática ao que está no programa fosse considerado inconstitucional. De todo modo, busca-se preservar no texto aqueles absurdos para contemplar a reivindicação das esquerdas.
A Confederação Nacional da Agricultura não tem armas — ou tem uma só, que é política: a valente senadora Kátia Abreu (DEM-TO). Que a entidade não esmoreça e deixe claro à opinião pública que, entre a comida barata que chega à mesa dos brasileiros e a baderna, o Planalto escolheu a baderna. Se Lula teme que seu governo fique com a fama de aborteiro, é preciso que tema também a reputação, justificada, de aliado do MST e de seus crimes continuados. A luta está apenas no começo.
No fim das contas, a área de fato mais frágil é mesmo a imprensa. Não que o governo tenha tanto poder assim. É que em nenhum outro setor a infiltração do partido foi tão eficaz e tão devastadora. A liberdade de expressão dorme com o inimigo. Em alguns casos, até lhe entrega a edição. (Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo)
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
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