CRÔNICAS DO PC
Tocar sanfona igual a Malaquias do Fole só se tinha notícia de Luís Gonzaga, Sivuca e Dominguinhos. O resto que sobrava era café pequeno. Ele metia todos no bolso, sobressaindo-se como o melhor sanfoneiro, depois dos reis.
Ganhou fama na região onde morava, não faltando contratos para tocar em eventos, desde festas de casamentos, batizados, aniversários de gente rica e naqueles arrasta-pés, de começar à boca da noite e só terminar no outro dia, quando sol já estava bem alto.
No mês de junho, não dava conta. Tocava trinta dias seguidos, animando as festas de Santo Antonio, São João e São Pedro. Naquele tempo chegou a gravar um LP, já que não existia ainda o CD.
Vivia feliz ao lado da esposa Carmosina e da prole de quatro rebentos. Na sua profissão de tocador, dava um murro danado. Sempre ficava ausente de casa de quinta a domingo, cumprindo contratos, animando festas em lugares diferentes.
Dado a fama de excelente sanfoneiro, não lhe faltavam admiradoras. Sabe como é, né! Artista é artista, um chamariz, uma atração pessoal para as fãs. E vão abraços, apertos de mãos, beijinhos, bilhetinhos confidências revelando outras intenções, convites para programas e, para falar a verdade, não há quem resista tanto assédio. Mulher é mulher! Uma verdadeira tentação, que às vezes não se pode evitar.
Malaquias, embora fosse bem casado, dedicado à família, levava em conta a carne ser fraca, e não deixava de vez em quando entrar na peraltice, e dar seus pulos, tudo por debaixo dos panos, às escondidas, pra evitar falatórios.
Nem imaginava Carmosina sonhar de suas estripulias em braços diferentes. Seria um deus-nos-acuda, para justificar. Mulher valente estava ali! Sabia brigar na hora de dormir na cama, naquela maneira clássica de dar cotoveladas seguidas entre as costelas do pobre coitado, e ficar reclamando:
- É verdade. Você está me traindo, seu cheiro é diferente, característicos de “quengas”.
- Que nada, mulher! Você é o único amor de minha vida.
Só tinha uma vantagem: Carmosina acreditava sempre no marido e nas suas juras de amor de companheiro fiel. Nessas ocasiões, Malaquias se revelava tão dramático, às vezes conseguindo fazer a mulher abraçar-se com ele e ficar soluçando:
- Perdoa, amor, acho que fui injusta com você.
E ainda chegava a indagar:
- Por que fui tão violenta com você, amor?
Ficando claro que Carmosina não era maldosa, apenas ciumenta, revelando-se de uma inocência sem igual.
A situação de comicidade chegou a tanto que aconteceu um dia revistar os bolsos do marido “famoso”. Prática que toda mulher gosta de usar. Por que fez isso? Quase caiu pra traz do susto que tomou! Estava em suas mãos a prova da traição, uma linda fotografia de uma morena sedutora – diria o padre Leopoldo - “capaz de fechar o comércio”. No caso de Carmosina, capaz de balançar sua generosa boa-fé.
- Seu sem-vergonha, disse a mulher, turrando, dedo em riste, esfregando no nariz do companheiro. E continuou:
- Era o que faltava! Andar com retrato de “quenga” no bolso. Cria vergonha, descarado!
Malaquias não perdeu o equilíbrio. Ao contrário, pensou rápido e saiu-se muito bem:
- Que é isso, meu amor!
E jogou uma porção de palavras meigas pra cima da cara-metade, deixando-a estática, boquiaberta, respirando ofegante, emocionada, um pouco de lágrimas escorrendo pela face. Disso se aproveitou Malaquias e recuperou a foto da morena, tomando-a carinhosamente da mulher. Fitou-a bem sobre as mãos, passando a beijá-la, sem demonstrar paixão:
Humildemente! Respeitosamente! Piedosamente! Religiosamente! E eu digo: Sem-vergonhosamente!
Carmosina não entendeu a jogada safada do marido. Mulher sem malícia, apenas arregalou os olhos e ficou vociferando:
- Seu descarado! Pelo menos respeite a minha presença.
O que Malaquias, de forma dramática, abriu os braços, olhou para o alto, benzeu-se, e com voz piedosa falou para a mulher:
- Carmosina! Por favor, não se exaspere! Não grite comigo! Repare só, minha querida. Estou apenas beijando a fotografia da imagem de Santa Miquelina, minha protetora.
E fez aquele blábláblá, próprio dele mesmo, conseguindo pronto convencimento. Carmosina acreditou tanto no marido que lhe pediu perdão, benzeu-se e pôs a fotografia num oratório, junta com outros santos de sua devoção.
E por lá a foto se encontra até os dias de hoje, encardida, amarelada pelo decorrer dos anos passados.
Pedro Cláudio de M.Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br
sábado, 28 de fevereiro de 2009
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