Segundo: inúteis grupos de trabalho
Por Dioclécio Luz (assessor parlamentar na Câmara
dos Deputados, Brasília)
O Ministério das Comunicações (MC) cuida para que a
ignorância seja regra. Os interlocutores do MC com a sociedade civil (muda, em
média, um a cada seis meses) são tecnocratas, que, equivocadamente, entendem
sua função pública como uma função política. Dotados de micropoderes, esses
tecnocratas fazem um esforço tremendo para que as relações de poder sejam
mantidas. Na prática, significa que eles não precisam conhecer rádios
comunitárias, mas as relações de poder dentro do processo. Atuam no processo
administrativo fazendo política. Neste ponto, configura-se um grave erro: eles
não cumprem a função de servidores públicos. Como se estivessem no setor
privado, servem à linha determinada pelo dirigente e não ao interesse da
sociedade. Por isso, não precisam conhecer de RC. Precisam conhecer as normas,
as regras, saber como “vigiar e punir” (Foucault). São os capatazes da Casa
Grande; cabe-lhes elaborar normas para controlar e punir as RCs.
Diz o senso comum que quando não se quer resolver um
problema se monta uma comissão ou um Grupo de Trabalho. O PT seguiu essa regra.
Nos dez anos de PT, dois Grupos de Trabalho (GTs) foram instituídos para tratar
de rádios comunitárias. Seguindo a tradição, os dois foram inúteis.
O primeiro GT foi constituído no início do Governo
do PT. Formado por representantes do Ministério das Comunicações e da sociedade
civil, foi criado em março de 2003 (Portaria nº 83, do Ministério das
Comunicações, 24/03/03), iniciando seus trabalhos no dia 2 de abril. O ministro
das Comunicações na época era Miro Teixeira (deputado federal pelo PDT do Rio
de Janeiro). O objetivo do GT era burocrático: propor métodos para agilizar a
burocracia no órgão (eram 4.300 processos de RCs parados no MC). Depois de 90
dias, o GT apresentou suas conclusões, entre elas um projeto de lei modificando
a Lei 9.612/98. O PL proposto foi para o lixo e mudanças pequenas foram
introduzidas na burocracia.
O segundo GT veio em 2004. O Grupo de Trabalho
Interministerial (GTI) foi criado por decreto presidencial (assinado por Luiz
Inácio Lula da Silva) em 26 de novembro, com a finalidade de analisar a
situação da radiodifusão comunitária no país e propor medidas para disseminação
das rádios comunitárias, visando ampliar o acesso da população a esta
modalidade de comunicação, agilizar os procedimentos de outorga e aperfeiçoar a
fiscalização do sistema.
Coordenadas pelo Ministério das Comunicações, as
atividades do GTI tiveram início no dia 3 de fevereiro de 2005 e foram
concluídas no dia 10 de agosto de 2005.
O relatório final do GTI revelou o que todo mundo
sabia: 1) algumas rádios sem autorização são comunitárias; 2) muitas rádios que
receberam autorização não são comunitárias. O documento observa que, se no
Ministério das Comunicações um processo demora em média 26 meses, no Palácio do
Planalto o tempo médio entre a entrada e saída de um processo é de 14 meses.
Este tempo é a prova de como um trâmite burocrático foi transformado em balcão
de “negócios políticos”. Esta nova etapa de avaliação - e desta vez
exclusivamente política -, não existia no Governo Fernando Henrique Cardoso
(responsável pela Lei 9.612/98).
Em tese, cabe ao Planalto apenas “carimbar” o
processo e encaminhá-lo para o Congresso Nacional. Mas isso não acontece. O
processo para no Palácio do Planalto. Essa parada demora o tempo de negociação
com os poderes envolvidos. E, claro, se uma rádio não conta com padrinhos
políticos, se não aparece ninguém para negociar por ela, por melhor que seja
seu projeto, a RC está condenada a uma espera que pode chegar a dezena de anos.
Por isso, emissoras como a Santa Luz – de qualidade, mas sem padrinho político
ou religioso – esperam 10 anos para conseguir outorga. Consta que o balcão
funciona até hoje dentro do Palácio do Planalto – é preciso um político, padre
ou pastor para que o processo seja encaminhado ao Congresso Nacional.
(Continua)