quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Filho de uns pais

CRÔNICAS DO PC
Meu pai, advogado estudioso, portanto, de muita cultura, gostava de vez em quando relembrar passagens históricas, tanto do Brasil como do mundo, lembrando que um dia veríamos tudo na escola. Nas horas de folga, reunia os filhos na sua sala de trabalho e, fazendo o papel de professor, narrava fatos de um passado distante, numa aula tão bem explicada, que nos deixavam boquiabertos, com vontade de ouvirmos mais.

Falava da pré-história, do antigo império egípcio, do império babilônico, da Grécia antiga, de sua mitologia, dos feitos dos deuses e dos heróis destemidos; do império romano, da cultura bizantina, das cruzadas, do Islã e seu contato com o ocidente, e assim por diante.

Ficou gravado em minha memória quando certa vez ele falou a respeito da revolução russa, ocorrida em 1917. A monarquia ali instituída tinha tradição de ser autoritária, uma autocracia que não permitia a participação do povo na administração do estado. O império russo era muito vasto, estendendo-se desde a Europa até os confins da Ásia, constituindo-se de vários povos.

O czar Nicolau II, além de desprezar a burguesia, os operários e camponeses, era manobrado pela mulher Alexandra, muito influente nas decisões palacianas, e que tinha pelo monge Rasputin verdadeira veneração, considerando-o um santo, portanto, participando nas decisões da corte. Por esses motivos e por outros ainda mais graves, estourou a revolução liberal-burguesa de 1917, que foi vitoriosa, sendo deposto o czar, começando um novo período na Rússia.

Lênin, o novo líder da grande nação, “tratou de assegurar o poder com medidas populares. Impôs uma paz imediata e confiscou todas as grandes propriedades em proveito dos comitês agrários. Bancos, ferrovias e grandes indústrias foram estatizadas e sua administração entregue às lideranças dos trabalhadores”.

E nos primeiros dias, na organização de um novo estado, em que o proletariado subia ao poder, um tribunal de camponeses e operários sindicava sobre as origens dos estudantes nas escolas superiores de Moscou, a fim de expulsar os elementos de descendência burguesa.

O trabalhador, agora chamado de camarada, passou a atuar em todos os setores da administração. Um deles, de nome Rabinof, era quem inquiria os estudantes, radicalmente não aceitando nenhum, cuja família tivesse ligação com o governo deposto.

Uma grande fila de estudantes formou-se no pátio de uma escola. Rabinof, gorro vermelho na cabeça, rodando uma bengala entre os dedos, chamou o primeiro jovem e perguntou-lhe: “Quem eram teus pais? Fale a verdade, ou será pior!”

“Meu pai era gentil-homem da corte e minha mãe filha de um servidor do tesouro real”.

“Excluído! Sentenciava Rubinof”.

Vem o segundo discípulo: “Quem eram teus pais”?

“Minha mãe era filha de um oficial; meu pai conselheiro do Ministério para Assuntos Estrangeiros”.

E vem a sentença sumária: “Excluído, para o bem de nossa escola”!

“Chega a vez do terceiro aluno, rapazola tateando no aprendizado das letras, roupa surrada, cara de palerma, muito tímido. Tão nervoso estava que roia as unhas.

Rubinof o encara e volta a indagar, desta vez com voz mais alterada: “Quem são teus pais”?

“Minha mãe é uma camponesa”, avança o bestalhão, sem dizer mais nada. Rubinof, irritado, grita: “E teu pai”?

O garoto tremendo dos pés à cabeça, sem unhas mais para roer, vai respondendo pausadamente: “Meu pai... meu pai... meu pai... eram uns operários.

E Rubinof sentenciou: “Admitido! Adiante”...!

Pedro Cláudio M.Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

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