sábado, 27 de agosto de 2016

A ópera no Senado

Luis Fernando Veríssimo - Depois da provável cassação de Dilma pelo Senado, ainda falta um ato para que se possa dizer que la commedia é finita: a absolvição de Eduardo Cunha. Nossa situação é como a ópera “Pagliacci”, uma tragicomédia, burlesca e triste ao mesmo tempo. E acaba mal.
Há dias li numa página interna de um grande jornal de São Paulo que Temer está recorrendo às mesmas ginásticas fiscais que podem condenar Dilma. O fato mereceria um destaque maior, nem que fosse só pela ironia, mas não mereceu nem uma chamada na primeira página do próprio jornal e não foi mais mencionado em lugar algum.
A gente admira o justiceiro Sérgio Moro, mas acha perigoso alguém ter tanto poder assim, ainda mais depois da sua espantosa declaração de que provas ilícitas são admissíveis se colhidas de boa fé, inaugurando uma novidade na nossa jurisprudência, a boa fé presumida.
Mas é brabo ter que ouvir denúncias contra o risco de prepotência dos investigadores da Lava-Jato da boca do ministro do Supremo, Gilmar Mendes, o mesmo que ameaçou chamar o então presidente Lula “às falas” por um grampo no seu escritório que nunca existiu, e ficou quase um ano com um importante processo na sua gaveta sem dar satisfação a ninguém. As óperas também costumam ter figuras sombrias que se esgueiram (grande palavra) em cena.
Eduardo Cunha pode ganhar mais tempo antes de ser julgado, tempo para o corporativismo aflorar, e os parlamentares se darem conta do que estão fazendo, punindo o homem que, afinal, é o herói do impeachment. Foi dele que partiu o processo que está chegando ao seu fim previsível agora. Pela lógica destes dias, depois da cassação de Dilma, o passo seguinte óbvio seria condecorarem Eduardo Cunha. Manifestantes: às ruas para pedir justiça para Eduardo Cunha!
Contam que um pai levou um filho para ver uma ópera. O garoto não estava entendendo nada, se chateou e perguntou ao pai quando a ópera acabaria. E ouviu do pai uma lição que lhe serviria por toda a vida:
— Só termina quando a gorda cantar.
Nas óperas sempre há uma cantora gorda que só canta uma ária. Enquanto ela não cantar, a ópera não termina.
Não há nenhuma cantora gorda no nosso futuro, leitor. Enquanto ela não chegar, evite olhar-se no espelho e descobrir que, nesta ópera, o palhaço somos nós.

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