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Juarez Cirino dos Santos – O julgamento penal no Brasil,
primeiro na Ação Penal 470 do STF e, agora, na chamada operação Lava Jato,
parece ter adotado o modelo da justiça espetáculo, como disse o notável
magistrado carioca Rubens Casara, em corajosa entrevista.
Podemos visualizar o drama penal: juiz e Ministério
Público têm os papéis principais, a defesa é um figurante tolerado, o acusado é
um bode expiatório de culpas coletivas e a mídia produz o espetáculo para o
público. O resultado é desastroso: os meios de comunicação, com dados
incompletos ou versões parciais obtidas da polícia, do Ministério Público ou do
juiz, no esforço por transformar a informação em notícia, estigmatizam acusados
e atropelam garantias constitucionais dos cidadãos. Pior: no processo penal
como espetáculo midiático o juiz vira órgão de segurança pública, que investiga
fatos (junto com a polícia) e produz provas (junto com o MP), atuando como
eficiente instrumento de repressão penal – e não como órgão garantidor dos direitos
humanos do acusado, instituídos para limitar o poder punitivo do Estado.
Um juiz que investiga fatos, produz provas e julga
pessoas implode o sistema acusatório do processo penal moderno, que atribui as
tarefas de acusar e de julgar a pessoas diferentes. Afinal, depois de muito
sangue e dor, descobrimos que o vínculo emocional com as provas produzidas
exclui ou prejudica julgamentos imparciais.
Os casos penais devem ser investigados pelas formas
democráticas do processo legal devido, com as garantias constitucionais do
contraditório processual, da ampla defesa, da presunção de inocência, da
proteção contra a autoincriminação e outras.
Mas a justiça como espetáculo subverte a lógica do
processo penal: as investigações criminais sigilosas de cidadãos sem fato
concreto imputável cancelam o princípio da presunção de inocência, substituída
pela presunção de culpa; as interceptações telefônicas secretas suspendem a
proteção constitucional contra autoincriminações – ou o direito de calar do
acusado, ou de falar somente após consultar advogado –, levando de cambulhada a
ampla defesa e o contraditório processual; as delações premiadas – em qualquer
caso e sempre um negócio penal inconfiável, deplorável e imoral – conseguidas
pela tortura através da prisão de futuros delatores, constituem provas obtidas
por meios ilícitos, que deveriam ser extirpadas do processo penal – mas que, na
justiça penal como espetáculo, para desgraça dos acusados, constituem a prova
criminal por excelência, quando não a única prova.
Assim, na operação Lava Jato do juiz Moro, o
espetáculo penal é um processo estampado na mídia como uma novela diária, com
seus atores, cenários e anúncios de condenações antecipadas. Nesse contexto, a
capacidade técnica ou probidade pessoal do juiz criminal não protege contra
influências dos meios de comunicação de massa – ou seja, contra influências do
poder econômico e do poder político – nos processos criminais ou nos resultados
das decisões judiciais.
A presença do público espectador produz um efeito de
ricochete sobre o palco do espetáculo: a linguagem da imprensa afeta a
valoração da prova, estimula estereótipos e preconceitos nos protagonistas
processuais, ignora ou deprecia direitos e garantias constitucionais do cidadão,
estigmatiza acusados com atributos pejorativos e produz execráveis condenações
criminais antecipadas.
Na operação Lava Jato, tudo começou com
interceptações telefônicas duvidosas, com delações premiadas obtidas pela
tortura da prisão, com quebras de sigilo sem imputação de fatos criminosos
concretos – em suma, tudo começou com suspeitas idiossincráticas. E situações
afirmadas como reais – diz o teorema de Thomas –, são reais nas consequências:
a desagradável sensação de insegurança, o sentimento de medo do cidadão em face
do Estado onipotente, manipulado pelo poder de funcionários públicos acima de
qualquer controle, parece uma realidade tangível, constatada todos os dias em
telefonemas, e-mails e outras comunicações interceptáveis.
Além disso, a avaliação de custo/benefício do princípio
da proporcionalidade mostra que o preço da operação Lava Jato é excessivo: um
custo insuportável para os direitos humanos, um preço demasiado para a
democracia, um prejuízo imenso para a economia – literalmente bloqueada por um
processo criminal, fato jamais visto antes. Nunca o povo pagou tão caro para
processar tão poucos – e, se for o caso, punir. Sem dúvida, todos devem
responder por seus atos e todo fato punível deve ser investigado e julgado, mas
pelos métodos civilizados da justiça penal, que são conquistas políticas de
lutas históricas da humanidade.
A obsessão punitiva que domina o espetáculo da
justiça penal, difundido em capítulos diários de entretenimento popular na
mídia eletrônica e impressa, parece degradar a justiça penal ao nível de mercadoria
de consumo público – mas vendida ao preço da lesão dos direitos humanos e da
corrosão da democracia.
Nestes tempos de acirrada luta de classes, a ideia
de conspiração das forças políticas conservadoras, com a utilização golpista de
segmentos autoritários do Poder Judiciário, do Ministério Público e da polícia
– um valor de uso com alto valor de troca na luta política pelo poder – pode
não ser simples paranoia.
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Advogado criminal, professor de Direito Penal e Criminologia da UFPR e autor de
vários livros