segunda-feira, 3 de maio de 2010

Abril vermelho

* JUREMIR MACHADO DA SILVA

Candoca vive em Palomas. É um ingênuo. Na juventude, leu Voltaire e acreditou que o nariz existe para segurar os óculos. Tem lógica. Candoca é obcecado por radicais.

Semana passada, ele leu na internet declarações da senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), e de João Pedro Stédile, principal líder do MST. A leitura do que disseram esses dois expoentes da agricultura nacional deixaram Candoca confuso. Stédile defendeu uma mudança no modelo agrícola: quer diminuir o uso de agrotóxicos nas lavouras, limitar o controle das multinacionais sobre a produção agrícola brasileira e associar camponeses e população urbana na construção de uma nova realidade na produção de alimentos. Candoca ficou preocupado. Perdeu o rumo.

Stédile sustentou que três ou quatro megaempresas globais dominam o mercado nacional de sementes, insumos e fertilizantes. Garantiu que elas estimulam os agricultores a usar muito veneno, fazendo do Brasil o maior consumidor do mundo de agrotóxicos, com 720 milhões de litros por ano. Essas empresas, segundo ele, ditam a lei na produção brasileira. Os venenos contaminam o solo e as águas. Sem contar que acabam no estômago de todos nós, especialmente dos mais pobres, que não podem comprar alimentos orgânicos em feiras chiques. Por fim, Stédile explicou que ocupações sempre acontecem quando poucos controlam muitas terras e muitos não possuem terra alguma para explorar. Candoca soltou uma exclamação: "Que sujeito sensato!" Dona Marcolina reagiu: "É um radical".

Perplexo, Candoca foi ler uma entrevista recente da combativa senadora Kátia Abreu. Ela reclama o uso da Força Nacional para evitar novas invasões de terra com o seguinte argumento: "A Força Nacional não tem o hábito de colaborar para evitar o tráfico de drogas, a pirataria e a pedofilia? É a mesma coisa. A Força Nacional vem para trazer paz, e não o conflito". Candoca ficou boquiaberto. Parecia um jundiá recém-pescado. Invadir ou ocupar terras é igual a atos de pedofilia? Intelectualmente limitado, o ingênuo começou a rir. Questionada sobre a importância de se reduzir a desigualdade social, Kátia Abreu declarou: "Nós não temos obrigação. Quem vai querer dividir sua terra? Não somos sócios do programa da reforma agrária". Que coisa, hein? Candoca não compreendeu. Está convencido de que não há expropriações no Brasil e de que as terras são compradas a bom preço pelo Estado para fins de reforma agrária. Pobre do Candoca, sempre tão confuso.

Bobalhão, Candoca acha que um país é como um condomínio: não pode uma família ocupar todos os andares enquanto todos os andares se amontoam embaixo da escada. Ao terminar de ler as declarações de Kátia Abreu, Candoca soltou um urro: "Que mulher radical!". Dona Marcolina tratou de aplicar-lhe um corretivo. "É uma mulher muito sensata", disse. Candoca respeita muito Dona Marcolina. Jamais se atreve a discordar dela. Tratou de mudar de opinião. De fato, concluiu, Stédile é um baita radical. Onde já se viu querer um novo modelo agrícola? Comuna!

* correio@correiodopovo.com.br

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