Divino Boca Quente, mito e realidade
Divino Boca Quente foi um apelido adquirido nos meados da década de 80, época que ele foi uns dos pioneiros a trabalhar na região. Na ocasião, trabalhava com prestação de serviço braçal, onde um dos seus primeiros patrões, Lázaro José Veloso, o popular “Serraria”, colocou esse apelido de Divino Boca Quente, por ele não ter medo de serviço pesado. Dizia o finado “Serraria” que “Divino era homem de verdade e não tinha medo de trabalhar em boca quente”.
O apelido rapidamente pegou entre os trabalhadores que o acompanhavam, e logo depois, quando foi introduzido no meio político como candidato a vereador, teve o apelido conhecido por todos. Mas devido a outro candidato também a vereador na mesma época, que se chamara Divino Cabeludo, sendo que assim ficou este candidato pelo distrito do Cedere II diferenciado na época desta forma, apelido este que meu pai nunca renegou, não porque exaltava sua fama de valente, mas porque exaltava sua fama de homem de palavra. Esta é a verdade do apelido de Divino Boca Quente.
Divino e seus crimes
Meu pai só matou duas pessoas, sendo uma delas um candidato a vice-prefeito de Canaã, no ano de 1996, e outro que trabalhava de segurança para a atual deputada Bel Mesquita, na época candidata a prefeita no ano de 2000.
Sem entrar em muitos detalhes sórdidos das duas situações, o candidato a vice-prefeito foi alvejado por engano, após meu pai ter sido atirado primeiro por um tiro na cabeça, ainda perto de sua casa. Baleado e desorientado, ele sacou de sua arma, a qual tinha porte, e perseguiu os autores dos disparos por mais de 400 metros. Quando os mesmos viraram em uma esquina e um veículo Gol vinha descendo no exato momento em que meu pai, baleado, atirou achando que eram os mesmos que havia tentado contra a vida dele.
Outro crime praticado por ele foi numa discussão, num comício na porta de sua casa numa disputa de armas onde, após o crime, apresentou-se por livre espontânea vontade na delegacia de Marabá e pagou para justiça o que ela achou justa pelo crime cometido.
Divino, fama que não o convém
Apesar de poucos quererem associar uma fama de homem violento e frio, meu pai nunca foi capaz de cometer nenhum ato planejado contra o direito de seu próximo, muito menos contra a vida dos mesmos. Muito pelo contrário, pagou muitas vezes pela sua inocência, por achar que a palavra de um homem valia, pois, quase sem estudo e com uma criação rude, onde o direito do próximo termina quando o da gente começa, sempre levou sua vida dessa forma.
Mas, apesar de ter uma filosofia de vida assim, nunca foi capaz de arquitetar nenhuma vingança contra seus mais cruéis inimigos, mesmo quando teve várias oportunidades. Prova disso é que meu pai já sofreu dois atentados a bala, sendo que em um deles foi alvejado por 12 tiros e dado como morto, mas retornou ao município como homem honrado que sempre foi, até nos últimos dias de sua vida.
Mesmo sabendo quem foram os mandantes e os autores dos atentados, meu pai entregou os casos para a justiça, a qual nunca foi capaz de fazer nada para colocar os mesmos atrás das grades para pagar pelos crimes que cometeram.
Recentemente, meu pai foi vítima mais uma vez de impunidade, quando teve sua área rural invadida, saqueada e queimada por um grupo de pistoleiros. Mesmo sabendo quem foram os mandantes e os autores de mais essa barbárie contra sua pessoa, novamente entregou o caso à justiça, a qual nada fez mais uma vez.
Se isso é conduta de um homem frio e violento, o que vão dizer essas mesmas pessoas que acham isso dele sobre as pessoas que arquitetaram e atentaram contra sua vida por várias vezes?
Sentimentos da família
Sei que meu pai não foi o mais perfeito dos homens, mas com certeza foi o mais homem dos que já conheci. Os que o conheceram de verdade sabem que ele era um homem de coração grande e bondoso com os que eram bons com ele, mas que também nunca foi homem de fugir de uma briga, pois nunca teve medo de outro homem.
Ele destruiu família em sua vida conturbada, mas que sempre disse que se pudesse escolher preferia que não tivesse acontecido, que não teve o perdão merecido e pregado por Deus, mas que sempre perdoou os que lhe fizeram mal.
Esperamos que após seu assassinato pelo menos desta vez ele veja de onde estiver que a justiça funciona para ele também e não só contra ele, como foi na sua vida inteira, que ele deixou uma viúva e quatro filhos, sendo dois órfãos de pai e mãe, que apesar de tudo ele sempre amou Parauapebas como a cidade que o acolheu e que ele próprio ajudou a construir e por este motivo nunca quis ir embora, mesmo depois de sua morte e de 27 anos de história.
Essa história não acaba com sua morte, apenas se renova, pois ele deixou muitas sementes que já produziram outras e que vão ficar por muitos e muitos anos na cidade que ele escolheu pra viver e morrer. Valdivino Luiz Antunes (Divino Boca Quente) * 25/09/1961 + 14/05/2010
Anderson Lúcio Antunes (filho)