segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Uma Silva sucessora de um Silva?

* Leonardo Boff
Não estou ligado a nenhum partido, pois para mim partido é parte. Eu, como intelectual, me interesso pelo todo, embora, concretamente, saiba que o todo passa pela parte. Tal posição me confere a iberdade de emitir opiniões pessoais e descompromissadas com os partidos.

De forma antecipada, se lançou a disputa: quem será o sucessor do carismático presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

De antemão, afirmo que a eleição de Lula é uma conquista do povo brasileiro, principalmente daqueles que foram sempre colocados à margem do poder. Ele introduziu uma ruptura histórica como novo sujeito político, e isso parece ser sem retorno. Não conseguiu escapar da lógica macro-econômica que privilegia o capital e mantém as bases que permitem a acumulação das classes opulentas. Mas introduziu uma transição de um estado privatista e neoliberal para um governo republicano e social que confere centralidade à coisa pública (res publica), o que tem beneficiado vários milhões de pessoas. Tarefa primeira de um governante é cuidar da vida de seu povo, e isso Lula o fez sem nunca trair suas origens de sobrevivente da grande tribulação brasileira.

Depois de oito anos de governo, se lança a questão que seguramente interessa à cidadania e não só ao PT: quem será seu sucessor? Para responder a esta questão, precisamos ganhar altura e dar-nos conta das mudanças ocorridas no Brasil e no mundo. Em oito anos muita coisa mudou. O PT foi submetido a duras provas e importa reconhecer que nem sempre esteve à altura do momento e às bases que o sustentam. Estamos ainda esperando uma vigorosa autocrítica interna a propósito de presumido “mensalação”. Nós, cidadãos, não perdoamos esta falta de transparência e de coragem cívica e ética.

Em grande parte, o PT virou um partido eleitoreiro, interessado em ganhar eleições em todos os níveis. Para isso, se obrigou a fazer coligações muito questionáveis, em alguns casos, com a parte mais podre dos partidos, em nome da governabilidade, que, não raro, se colocou acima da ética e dos propósitos fundadores do PT.

Há uma ilusão que o PT deve romper: imaginar-se a realização do sonho e da utopia do povo brasileiro. Seria rebaixar o povo, pois este não se contenta com pequenos sonhos e utopias de horizonte tacanho. Eu, que circulo, em função de meu trabalho, pelas bases da sociedade, vejo que se esvaziou a discussão sobre “que Brasil queremos”, discussão que animou por decênios o imaginário popular. Houve uma inegável despolitização em razão de o PT ter ocupado o poder. Fez o que pôde, quando podia ter feito mais, especialmente com referência à reforma agrária e à inclusão estratégica (e não meramente pontual) da ecologia.

Quer dizer, o sucessor não pode se contentar de fazer mais do mesmo. Importa introduzir mudanças. E a grande mudança na realidade e na consciência da humanidade é o fato de que a Terra já mudou. A roda do aquecimento global não pode mais ser parada, apenas retardada em sua velocidade.

A partir de 23 de setembro de 2008, sabemos que a Terra como conjunto de ecossistemas com seus recursos e serviços já se tornou insustentável porque o consumo humano, especialmente dos ricos que esbanjam, já psssou em 40% de sua capacidade de reposição.

Esta conjuntura, que se não for tomada a sério, pode levar nos próximos decênios a uma tragédia ecologicohumanitária de proporções inimagináveis e, até pelo final do século, ao desaparecimento da espécie humana. Cabe reconhecer que o PT não incorporou a dimensão ecológica no cerne de seu projeto político. E o Brasil será decisivo para o equilíbrio do planeta e para o futuro da vida.

Qual é a pessoa com carisma, com base popular, ligada aos fundamentos do PT e que se fez ícone da causa ecológica? É uma mulher, seringueira, da igreja da libertação e amazônica. Ela também é uma Silva, como Lula. Seu nome é Marina Osmarina Silva.

* Teólogo e autor do livro “Que Brasil queremos?” Vozes 2000

Um comentário:

Eldan de Lima Nato disse...

O primeiro paragrafo do artigo me fez lembrar do poeta barroco Gregorio de Matos:

O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.

Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.