Leonardo Sakamoto – Tenho conversado com colegas
jornalistas que reclamam da estratégia de movimentos sociais e categorias
profissionais que estão aproveitando a iminência da Copa do Mundo para trazer à
rua suas pautas de reivindicações. Reclamam de um suposto oportunismo, transformando
o poder público em refém.
Vamos por partes. Antes de mais nada, não vejo este
momento como um retorno ao que aconteceu no ano passado. Já discuti por aqui
que foram tantos os elementos conspirando a favor das catárticas jornadas de
junho que será muito difícil ver novamente, no curto prazo, aqueles mares de
gente. De qualquer forma, junho de 2013 subiu o handicap. A percepção sobre o
que é a rua e a sua função mudou.
Dito isso, acho que “confunde-se'' oportunismo com
aproveitamento de oportunidade.
Os garis – que são de uma categoria profissional
sistematicamente ignorada pelo poder público e que sofre preconceito de parte
da população – foram perfeitos do ponto de vista estratégico, paralisando as
atividades no momento em que o lixo do carnaval se acumulava nas ruas do Rio de
Janeiro. Aeroviários e controladores de voo já escolheram as festas de final de
ano para cruzarem os braços diante de melhores salários e condições de
trabalho.
Erram eles? De maneira alguma. Qual outro período
sua existência poderia ser melhor notada do que naquele em que mais se precisa
deles? Deixar o protesto para quando o impacto for menor seria demonstrar uma
falta de capacidade crônica de ler a conjuntura, para dizer o mínimo.
E isso não é monopólio do Brasil. Em muitos países,
antes de grandes eventos, grupos trouxeram suas pautas a público, reivindicando
aumentos ou direitos. Agora que a Copa se aproxima, categorias começam a se
mexer. E quanto mais chances tiverem de atrapalhar o cotidiano das cidades-sede
ou a imagem que se quer vender no exterior, maior poder de reivindicação terão.
Motoristas e cobradores de ônibus, metroviários,
aeroviários, policiais e outros profissionais ligados à segurança pública;
trabalhadores de hotéis e
de turismo em geral; empregados de empresas de telecomunicações (no que pese a
intensa terceirização ter fragilizado o potencial de organização desse último
grupo) são os mais óbvios. Mas outros também poderiam aproveitar o timing de
grandes eventos, como operários de fábricas de cerveja ou de indústrias de
televisores.
Ou um grupo que muita gente não esperava, mas que
está diretamente relacionado às críticas aos gastos públicos para a Copa do
Mundo e ao processo de gentrificação (grosso modo, o encarecimento e a
segregação da vida na cidade): movimentos de trabalhadores sem-teto.
Estes acertaram o timing em cheio. Invisíveis em boa
parte do ano, escolheram o momento em que podem ser um estorvo à imagem que o
país quer vender lá fora. Ou à ordem que se espera aqui dentro. Afinal de
contas, se país rico
é um país sem pobreza, o que esse bando de gente sem casa e que não tem nada a
perder faz fechando as ruas?
A educação é um ponto interessante. Se por um lado,
gostamos de afirmar que ela deve ser nossa prioridade número um, não é sentida
e exercida como tal. Pelo contrário, esvaziamos tudo o que poderia levar à
construção de uma educação realmente transformadora, apoiando iniciativas de
pensamento dentro da caixinha. Além do mais, paralisações de professores têm
impacto limitado, talvez pelo fato de a situação ser tão ruim que elas ocorrem
com uma frequência necessária, mas que tira o “efeito novidade'' presente nas
marchas de sem-teto.
É claro que uma greve detona a vida do cidadão que
mais precisa de serviços públicos. Só quem é muito tosco ou nasceu em berço de
ouro acha o contrário. Mas essa é exatamente a força de uma paralisação: forçar
o poder público a se mexer. Greve não é linda e maravilhosa. Greve é uma droga,
mas necessária, o que são coisas bem diferentes.
Nesse sentido, a greve mais impossível, mas também
uma das mais imprevisíveis, seria uma geral de jornalistas durante a Copa.
Impossível, porque jornalista não se vê como trabalhador. Ou, pior: acredita
que sua “missão'' é mais importante do que sua qualidade de vida (ei, falo por
conhecimento e idiotice próprios) – missão essa relacionada, não raro, às
dispensáveis informações que, não raro, veiculamos.
A maior parte dos jornalistas não só não faria nada
que colocasse em risco seu papel de “ponte social'' durante um grande evento e
o seu emprego, como também critica sistematicamente as categorias profissionais
que se valem de “oportunismos'' para lucrar.
Por isso, como já disse aqui antes, quando crescer
quero ser mobilizado e consciente como gari. Que são mais livres do que colegas
que fazem beicinho diante de grevistas marchando para algum lugar.
Afinal, chantagem não é necessariamente o que
grevistas fazem com a sociedade. É o que nós, jornalistas, muitas vezes fazemos
com eles, através de discursos que não parecem análises ou relatos, mas sim
releases de governos e empresas.
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