segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Não existe mais latifúndio no Brasil, diz nova ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Recém-empossada ministra da Agricultura, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) não abandonou o discurso ligado ao agronegócio que a tem colocado em rota de colisão com movimentos sociais e com setores do PT.
Nesta entrevista concedida à Folha, ela disse que recebeu da presidente Dilma Rousseff a missão de "revolucionar" a pasta e que não teme a contenção de gastos para este ano.
Folha – A senhora assume o ministério no momento em que grandes importadores de alimentos, como a China, crescem menos ou até enfrentam crise, como a Rússia. Como será o ano para o agronegócio?
Kátia Abreu – Há dificuldades, mas não temos muitos temores em relação às commodities de alimentos. A China, que importa 23% dos nossos produtos, pode parar de investir em uma porção de coisas. Mas 1,3 bilhão de pessoas lá segue precisando almoçar, jantar e lanchar. Está havendo uma queda de preços [dos alimentos exportados], mas não creio em alteração de volume. Mesmo com o embargo [de potências internacionais], os russos continuam se alimentando de frango. As pessoas têm de comer. E a gente não exporta produtos muito agregados, consumidos por pessoas ricas. Exportamos é carne, que a massa come, um produto processado por lá.
Folha – A sua primeira viagem internacional será a esses países. Qual será a pauta?
KA – Vamos assinar acordos firmes e claros para a habilitação, por exemplo, de novas fábricas frigoríficas no Brasil, para que elas possam exportar para esses países. Os chineses e os russos verbalizam: "Não queremos ficar na mão de JBS, Marfrig, Minerva [os maiores frigoríficos do país]". Eles querem ter mais opções de compra. Vamos ampliar as possibilidades.
Folha – Não haverá reação dos frigoríficos que já têm esse mercado?
KA – Ninguém gosta de dividir nada, né? As pessoas, quanto mais ganham, mais felizes ficam. Mas cabe ao estado brasileiro abrir oportunidades e fazer o jogo da nação. E não de corporações. Não posso focar o privilégio de alguns em detrimento dos demais.
Folha – Ainda sobre a crise: o ano será de contenção de gastos. Como ficará o orçamento do Ministério da Agricultura?
KA – Todo mundo me fala: "Você vai brigar com o [ministro da Fazenda] Joaquim Levy". Gente, tenho uma tranquilidade tão grande! O setor [do agronegócio] é tão consolidado e dá respostas tão rápidas que é perigoso até ele me dar mais do que peço. É verdade! Ele não quer que o país se recupere? Vai recuperar com que, gente? Fabricando o que, a não ser comida? Então não tenho medo dos cortes do Levy. Ele vai investir em carne boa. Não vai investir em carne podre. O agronegócio não é carne podre.
Folha – Movimentos sociais que apoiaram a reeleição de Dilma Rousseff afirmam que a nomeação da senhora foi um tapa na cara deles. O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) diz que a senhora criminaliza os movimentos e até já pediu CPI contra eles.
KA – Se eles me apoiassem, aí era difícil, né? Quero dialogar com eles. Diálogo sempre. E condenar invasão, sempre. Tem MST que invade, isso é ilícito, sim, e vai continuar sendo. Está na Constituição.
Folha – A senhora trabalha com a possibilidade de haver invasão em terras de sua família?
KA – O quê? O Ministério do Trabalho já pediu [documentos de propriedades] de 1987 para trás, quando o meu marido ainda era vivo. Eles vão à minha casa 24 horas por dia. Não acham nada. Meu filho não aguenta mais. Já invadiram também. Eu falo com franqueza: não tenho nada contra assentamentos. No Tocantins, sentei com o MST, eles me pediram ajuda. Tive audiência com o [então ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel] Rossetto para arrumar dinheiro para eles comprarem a fazenda de um cidadão. Se eu quero terra, por que eles não podem querer? Agora, não invade, pelo amor de Deus, porque não dá.
Folha – O país não necessita acelerar a reforma agrária?
KA – Em massa, não. Ela tem de ser pontual, para os vocacionados. E se o governo tiver dinheiro não só para dar terra, mas garantir a estrutura e a qualidade dos assentamentos. Latifúndio não existe mais. Mas isso não acaba com a reforma. Há projetos de colonização maravilhosos que podem ser implementados. Agora, usar discurso velho, antigo, irreal, para justificar reforma agrária? A bancada [ruralista] vai trabalhar sempre, discutir, debater.
Folha – A senhora vai chamar os movimentos para dialogar?
KA – Conflitos em outras áreas não são da alçada do Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento]. Meus colegas do Desenvolvimento Agrário, do Incra, podem mediá-los com competência. Agora, passou o pé para dentro da terra, tô dentro. Inclusive índio. Se quiser ajudar os índios a produzirem, sou a parceira número um. Faço isso no meu estado.
Folha – A proposta da PEC 215, em discussão no parlamento, de passar a responsabilidade por demarcação de terras indígenas para o Congresso não traz o risco de que não se demarque mais nada no país?
KA – Não. Porque não vai sair mais nada nunca do jeito que está. O STF já decidiu que terra demarcada não pode ser ampliada. Até então tinham saído várias, de forma equivocada, empurradas pela Funai [Fundação Nacional do Índio] a toque de caixa. Enquanto os índios reivindicavam áreas na Amazônia, a gente nunca deu fé do decreto de demarcação [em vigor]. É um decreto inconstitucional, unilateral, ditatorial, louco, maluco. "E por que vocês só foram ver isso depois?" Porque os índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção. Não temos problema com terra indígena, a nossa implicância é com a legalidade. Se a presidenta entender que os pataxós estão com a terra pequena, arruma dinheiro da União, compra um pedaço de terra para eles e dá. Ótimo. Só não posso é tomar terra das pessoas para dar para outras.
Folha – As terras dos índios também foram tomadas.
KA – Então vamos tomar o Rio de Janeiro, a Bahia. Por que [o raciocínio] só vale em Mato Grosso do Sul? O Brasil inteiro era deles. Quer dizer que nós não iríamos existir.
Folha – E os pequenos agricultores, haverá alguma política específica para eles?
KA – Precisamos criar uma grande classe média rural brasileira. Ela hoje não existe. Dos cinco milhões de produtores do país, 300 mil são das classes A e B e só 796 mil da C. Nas classes D e E estão 70%, que contam com financiamento barato, mas não têm assistência técnica. Precisamos pegar essas pessoas, identificá-las, fazer editais e leilões para dar a elas assistência continuada. Tenho que fazer igual babá, decidir o que vai produzir. Não existe terra ruim. Tendo água, até na Arábia Saudita as pessoas plantam.
Folha – Haverá um "Proer" para o setor sucroalcooleiro?
KA – Este é um assunto gravíssimo, que deve envolver todo o governo. A crise é total. Precisamos, em primeiro lugar, conhecer o endividamento do setor, que está alavancado em dólar. Não tenho a solução mágica. Mas temos de encontrar um mecanismo de estabilidade desse biocombustível [o etanol] que não seja só a ligação com o petróleo.
Folha – Uma das queixas do setor é a de que a Agricultura depende de tantos outros ministérios que acaba limitada.
KA – A presidente Dilma me disse, de pronto, a minha missão: "Kátia, é para revolucionar". Não podemos mais ficar só anunciando Plano Safra todo ano, cento e tantos bilhões para isso, cento e tantos bilhões para aquilo. É muito pouco. Ela quer que o Ministério da Agricultura tenha uma interlocução forte com o Ministério dos Transportes para discutir logística, PAC 2, PAC 3.
Folha – Mas não haverá tantos recursos para os investimentos.
KA – Temos de apostar tudo na privatização. A presidente inclusive enviará proposta ao Congresso mudando a legislação de hidrovias. Temos vários "Mississippi" maravilhosos. O correto é o governo fazer as hidrovias e depois concessionar para a iniciativa privada tocar.
Folha – A senhora é tida como ministra da cota pessoal de Dilma. Considera-se amiga dela?
KA – Falar que é amiga de presidente pega mal. Não sou amiga da presidente. Sou fã da presidente. Ela é um ser humano bom. Ela tem espírito público. Ela vai para a luta. Ela não quer saber. Ela vai, nestes quatro anos, escrever uma bela biografia. E eu quero colaborar para escrever uma biografia maravilhosa para ela na minha área. (Mônica Bergamo, colunista da Folha)

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