Recém-empossada ministra da Agricultura, a senadora
Kátia Abreu (PMDB-TO) não abandonou o discurso ligado ao agronegócio que a tem
colocado em rota de colisão com movimentos sociais e com setores do PT.
Nesta entrevista concedida à Folha, ela disse que recebeu da
presidente Dilma Rousseff a missão de "revolucionar" a pasta e que
não teme a contenção de gastos para este ano.
Folha
– A senhora assume o ministério no momento em que grandes importadores de
alimentos, como a China, crescem menos ou até enfrentam crise, como a Rússia.
Como será o ano para o agronegócio?
Kátia
Abreu – Há dificuldades, mas não temos muitos temores em
relação às commodities de alimentos. A China, que importa 23% dos nossos
produtos, pode parar de investir em uma porção de coisas. Mas 1,3 bilhão de
pessoas lá segue precisando almoçar, jantar e lanchar. Está havendo uma queda
de preços [dos alimentos exportados], mas não creio em alteração de volume.
Mesmo com o embargo [de potências internacionais], os russos continuam se
alimentando de frango. As pessoas têm de comer. E a gente não exporta produtos
muito agregados, consumidos por pessoas ricas. Exportamos é carne, que a massa
come, um produto processado por lá.
Folha
– A sua primeira viagem internacional será a esses países. Qual será a pauta?
KA
– Vamos assinar acordos firmes e claros para a habilitação, por exemplo, de
novas fábricas frigoríficas no Brasil, para que elas possam exportar para esses
países. Os chineses e os russos verbalizam: "Não queremos ficar na mão de
JBS, Marfrig, Minerva [os maiores frigoríficos do país]". Eles querem ter
mais opções de compra. Vamos ampliar as possibilidades.
Folha
– Não haverá reação dos frigoríficos que já têm esse mercado?
KA
– Ninguém gosta de dividir nada, né? As pessoas, quanto mais ganham, mais
felizes ficam. Mas cabe ao estado brasileiro abrir oportunidades e fazer o jogo
da nação. E não de corporações. Não posso focar o privilégio de alguns em
detrimento dos demais.
Folha
– Ainda sobre a crise: o ano será de contenção de gastos. Como ficará o
orçamento do Ministério da Agricultura?
KA
– Todo mundo me fala: "Você vai brigar com o [ministro da Fazenda] Joaquim
Levy". Gente, tenho uma tranquilidade tão grande! O setor [do agronegócio]
é tão consolidado e dá respostas tão rápidas que é perigoso até ele me dar mais
do que peço. É verdade! Ele não quer que o país se recupere? Vai recuperar com
que, gente? Fabricando o que, a não ser comida? Então não tenho medo dos cortes
do Levy. Ele vai investir em carne boa. Não vai investir em carne podre. O
agronegócio não é carne podre.
Folha
– Movimentos sociais que apoiaram a reeleição de Dilma Rousseff afirmam que a
nomeação da senhora foi um tapa na cara deles. O MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra) diz que a senhora criminaliza os movimentos e
até já pediu CPI contra eles.
KA
– Se eles me apoiassem, aí era difícil, né? Quero dialogar com eles. Diálogo
sempre. E condenar invasão, sempre. Tem MST que invade, isso é ilícito, sim, e
vai continuar sendo. Está na Constituição.
Folha
– A senhora trabalha com a possibilidade de haver invasão em terras de sua
família?
KA
– O quê? O Ministério do Trabalho já pediu [documentos de propriedades] de 1987
para trás, quando o meu marido ainda era vivo. Eles vão à minha casa 24 horas
por dia. Não acham nada. Meu filho não aguenta mais. Já invadiram também. Eu falo
com franqueza: não tenho nada contra assentamentos. No Tocantins, sentei com o
MST, eles me pediram ajuda. Tive audiência com o [então ministro do
Desenvolvimento Agrário, Miguel] Rossetto para arrumar dinheiro para eles
comprarem a fazenda de um cidadão. Se eu quero terra, por que eles não podem
querer? Agora, não invade, pelo amor de Deus, porque não dá.
Folha
– O país não necessita acelerar a reforma agrária?
KA
– Em massa, não. Ela tem de ser pontual, para os vocacionados. E se o governo
tiver dinheiro não só para dar terra, mas garantir a estrutura e a qualidade
dos assentamentos. Latifúndio não existe mais. Mas isso não acaba com a
reforma. Há projetos de colonização maravilhosos que podem ser implementados.
Agora, usar discurso velho, antigo, irreal, para justificar reforma agrária? A
bancada [ruralista] vai trabalhar sempre, discutir, debater.
Folha
– A senhora vai chamar os movimentos para dialogar?
KA
– Conflitos em outras áreas não são da alçada do Mapa [Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento]. Meus colegas do Desenvolvimento
Agrário, do Incra, podem mediá-los com competência. Agora, passou o pé para
dentro da terra, tô dentro. Inclusive índio. Se quiser ajudar os índios a
produzirem, sou a parceira número um. Faço isso no meu estado.
Folha
– A proposta da PEC 215, em discussão no parlamento, de passar a
responsabilidade por demarcação de terras indígenas para o Congresso não traz o
risco de que não se demarque mais nada no país?
KA
– Não. Porque não vai sair mais nada nunca do jeito que está. O STF já decidiu
que terra demarcada não pode ser ampliada. Até então tinham saído várias, de
forma equivocada, empurradas pela Funai [Fundação Nacional do Índio] a toque de
caixa. Enquanto os índios reivindicavam áreas na Amazônia, a gente nunca deu fé
do decreto de demarcação [em vigor]. É um decreto inconstitucional, unilateral,
ditatorial, louco, maluco. "E por que vocês só foram ver isso
depois?" Porque os índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas
de produção. Não temos problema com terra indígena, a nossa implicância é com a
legalidade. Se a presidenta entender que os pataxós estão com a terra pequena,
arruma dinheiro da União, compra um pedaço de terra para eles e dá. Ótimo. Só
não posso é tomar terra das pessoas para dar para outras.
Folha
– As terras dos índios também foram tomadas.
KA
– Então vamos tomar o Rio de Janeiro, a Bahia. Por que [o raciocínio] só vale
em Mato Grosso do Sul? O Brasil inteiro era deles. Quer dizer que nós não
iríamos existir.
Folha
– E os pequenos agricultores, haverá alguma política específica para eles?
KA
– Precisamos criar uma grande classe média rural brasileira. Ela hoje não
existe. Dos cinco milhões de produtores do país, 300 mil são das classes A e B
e só 796 mil da C. Nas classes D e E estão 70%, que contam com financiamento
barato, mas não têm assistência técnica. Precisamos pegar essas pessoas,
identificá-las, fazer editais e leilões para dar a elas assistência continuada.
Tenho que fazer igual babá, decidir o que vai produzir. Não existe terra ruim.
Tendo água, até na Arábia Saudita as pessoas plantam.
Folha
– Haverá um "Proer" para o setor sucroalcooleiro?
KA
– Este é um assunto gravíssimo, que deve envolver todo o governo. A crise é
total. Precisamos, em primeiro lugar, conhecer o endividamento do setor, que
está alavancado em dólar. Não tenho a solução mágica. Mas temos de encontrar um
mecanismo de estabilidade desse biocombustível [o etanol] que não seja só a
ligação com o petróleo.
Folha
– Uma das queixas do setor é a de que a Agricultura depende de tantos outros
ministérios que acaba limitada.
KA
– A presidente Dilma me disse, de pronto, a minha missão: "Kátia, é para
revolucionar". Não podemos mais ficar só anunciando Plano Safra todo ano,
cento e tantos bilhões para isso, cento e tantos bilhões para aquilo. É muito
pouco. Ela quer que o Ministério da Agricultura tenha uma interlocução forte
com o Ministério dos Transportes para discutir logística, PAC 2, PAC 3.
Folha
– Mas não haverá tantos recursos para os investimentos.
KA
– Temos de apostar tudo na privatização. A presidente inclusive enviará
proposta ao Congresso mudando a legislação de hidrovias. Temos vários
"Mississippi" maravilhosos. O correto é o governo fazer as hidrovias
e depois concessionar para a iniciativa privada tocar.
Folha
– A senhora é tida como ministra da cota pessoal de Dilma. Considera-se amiga
dela?
KA
– Falar que é amiga de presidente pega mal. Não sou amiga da presidente. Sou fã
da presidente. Ela é um ser humano bom. Ela tem espírito público. Ela vai para
a luta. Ela não quer saber. Ela vai, nestes quatro anos, escrever uma bela
biografia. E eu quero colaborar para escrever uma biografia maravilhosa para
ela na minha área. (Mônica Bergamo, colunista
da Folha)