terça-feira, 30 de junho de 2009

As duas irmãs

CRÔNICAS DO PC
Se formos analisar a herança genética das irmãs Clotildes e Matildes, descobriremos não existir aparência quase semelhanças entre uma e outra.

Clotildes, a mais velha, é muita bonita, herdando traços fisionômicos da mãe, que na juventude participou de vários concursos de beleza, ganhando primeiro lugar em três deles.

Já Matildes nasceu muito diferente. Não parecia nem com o pai, nem tão pouco com a mãe. Sua principal característica maior chamava-se feiúra. No seu corpo todo, o que se podia ver não tinha nada aproveitável, destacando-se a horrível cara redonda de lua cheia, a pele espessa e cheia de pigmentos, parecendo manchas de catapora quando murcha, lábios muitos grossos, pernas finas, tomadas de nódulos, lembrando os pífanos extraídos da taquara. Nada chamava mais a atenção do que seu nariz arrebitado, que lhe fez ganhar o apelido de venta bico de bule.

É compreensível que nenhum vivente poderia suportar tamanha carga desproporcional em cima de um corpo, sem criar algum complexo inferior. Matildes, claro, sentia as diferenças, às vezes afetando o relacionamento com a irmã bonita, discutindo as duas por besteira, a outra, é claro, sentindo-se superior, sem, contudo humilhá-la. E ela, após as briguinhas, perguntava-se, sozinha, chorando, dentro de seu quarto, olhando-se para o espelho: “Não deveria ser assim. Uma bonita e a outra feia. E por que foi a penalizada pela diferença?”

Na idade de 25 e 23 anos, as duas irmãs cursavam a mesma faculdade, o último ano de Psicologia. Um fato interessante acontecia nesse particular. Matildes demonstrava ser mais inteligente, sobressaindo-se em todas as matérias do curso, como primeira colocada. Pelo menos na escola a garota feia sentia-se muito diferente, colegas e professores demonstravam admiração por ela.

No dia da formatura foi a oradora, escolhida antecipadamente pelos colegas formandos. Fez um discurso de improviso tão bonito que impressionou o paraninfo da turma, um jovem e renomado professor. Pelos seus trabalhos em ‘fenômenos psíquicos’, foi comparada a Sigismundo Freud, psiquiatra austríaco, criador da psicanálise e de outros métodos para a cura de doenças mentais.
Não se sabe explicar por que o jovem mestre não tirava os olhos de Matildes, achando-a linda, principalmente aquele nariz diferente. E dela se aproximou, dando-lhe parabéns, aproveitando para fazer galanteios. Matildes ficou encabulada, sem querer acreditar nas doces e meigas palavras do professor, famoso, bonito, rico e de família importante. Achava-se feia demais, nunca admitindo de um dia um homem lhe admirar pela sua aparência.

Não obstante o julgamento da garota, não foi assim o que aconteceu. Com o passar dos dias, o professor, sempre insistindo de ficar ao lado de Matildes, apaixonou-se por ela, terminando não demorando a pedir-lhe em casamento.

Matildes e o professor logo se casaram, vivendo felizes até os dias de hoje. Ele sempre afirmando que o nariz de Matildes foi o que lhe fez se apaixonar.

A irmã Clotildes não teve tanta sorte, pois nunca encontrou seu príncipe encantado, e perguntava-se: “Por que nunca um homem lhe propôs casamento, se nasceu bonita, uma verdadeira miss?” Sem nada entender, lembrava-se da irmã Matildes, feliz, ao lado do esposo querido, e que tanto amor lhe dedicava. E pensava: “Por que não nasci feia também?” É bom que se diga que Clotildes não sentia inveja da irmã, ao contrário, gostava muita dela, só lhe desejando muitas felicidades.

Fica assim provado, pelo conceito do que é belo, que algo pode ser feio para mim, no entanto, obrigatoriamente não o é para outros olhos diferentes. Chegando-se à conclusão, não existe o feio, o que é legal e confortante para nós, considerados o oposto da beleza.

Pedro Cláudio M.Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

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