terça-feira, 14 de abril de 2009

O golpe do malandro

CRÔNICAS DO PC

A tradicional família Pereira Sousa tinha membros espalhados por vários estados do Brasil. O nome era forte, respeitado, porque muitos dos que portavam o sobrenome conseguiram galgar posições de destaque no cenário político, agropecuário e industrial das regiões Norte e Nordeste.

Corria o ano de 1960. Algumas de suas figuras tornaram-se pessoas notórias ao se eleger um senador, outro governador, seis deputados federais, quatro deputados estaduais, além de dezenas de prefeitos em importantes cidades, inclusive em uma capital.

O nome Pereira Sousa tornou-se relevado, cheio de prestígio, riqueza e poder. Tinha mais uma particularidade, que se tornou tradição: exigia-se que cada membro da família fosse exemplo de tudo, de honestidade, procedimentos e moral. Não se admitia transgressões por qualquer Pereira Sousa, por mais insignificante que fosse. Pai solteiro, mãe solteira, nem pensar! O casamento constituía-se a única maneira de se viver a dois. Também estávamos nos anos 60.

Foi nessa ocasião que entra de gaiato na história da família o estudante Roberval, jovem, moderno, jogador de tênis em quadras de fundo de quintal, sem outra ocupação. Pobre, vivia procurando oportunidade para melhorar de vida. Até que encontrou.

Começou a namorar Zuleide, filha do prefeito Gonçalo Pereira Sousa, que administrava uma importante cidade. Cheio de lábia, Roberval conseguiu conquistar o coração da garota, que se apaixonou perdidamente por ele. Seduziu-a tanto que um dia aconteceu o inesperado pela família. A menina, inexperiente e apaixonada, não teve topete suficiente e cedeu aos encantos e investidas do bonitão várias vezes.

Bastou para sentir enjoos*, cinquenta* e poucos dias depois da primeira, e sete dias da última.

Quando Zuleide lhe contou a falta de menstruação e enjoos* sucessivos, Roberval não teve dúvidas: tinha acontecido o que ele esperava, e ficou muito feliz.

Orgulhoso de si mesmo, entrou radiante no café “Bom Gosto”, onde os camaradas o esperavam para um jogo de dominó. Pra começo de conversa, Roberval foi logo avisando que ficou noivo de moça prendada, de pais importantes e ricos. Na certa, sua situação de liso acabaria brevemente. Ninguém acreditou na conversa, logo um pé-rapado igual a ele, encontrar um partidão, duvidavam muito! E haja indagação:

Tu encontraste mesmo alguma família que te quisesse por genro?

E por que não? Não sou bacana, charmoso, inteligente, e um futuro campeão da Taça Davis de Tênis, o que me tornará famoso e rico?

Larga de sonhar, ó malandro; tu nasceste mesmo foi para viver na gandaia entre nós – duvidou um dos amigos, que conhecia muito bem Roberval.

Outro ainda debochou:

Então o pai deve ter saído no mínimo da prisão, por algum mal feito.

Nada disso. É o homem mais honesto deste país – rebateu Roberval.

Vem a ser o caso. A mãe deve ter casa aberta, ou vender mingau na rua!

É a pessoa mais séria do mundo!

Neste caso, a mulher é um monstro? É corcunda? É maneta? É torta? É uma desiludida da vida?

É linda e pura como um anjo!

E com aquela simplicidade própria das caras de pau, Roberval emendou:

Tem apenas um probleminha: ela deve estar ligeiramente grávida, e para assegurar o meu futuro, o pai é o papai aqui.

Realmente. Para a família Pereira Sousa, quando o bucho de Zuleide apareceu, foi aquela decepção toda, nunca antes acontecida. Não provocaria um escândalo, seria pior. E foram buscar Roberval para casar, tudo acobertado, “debaixo de sete capas”.

Para encurtar conversa, Roberval transformou-se em um cidadão respeitado, optando pela carreira política.

Foi eleito vereador e presidiu a Câmara Municipal por dois anos seguidos. Alguns de seus amigos tornaram-se assessores diretos no seu gabinete, reconhecendo que Roberval teve muita sorte em chegar aonde chegou.

Soube usar, no momento certo, a “cabecinha” ou cabeçorra, afirmou Rodrigues, achando que Roberval teve muita sorte.

Pedro Cláudio M.Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

* Acordo ortográfico

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