Os moradores de Piquiá de Baixo, vilarejo localizado
na zona rural de Açailândia, no interior do Maranhão, parecem acostumados a
viver trancados. A impressão de quem chega pela primeira vez ao local é de que
se trata de um povoado fantasma. Nos dias de semana é raro ver pessoas
caminhando pelas ruas. Portas e janelas ficam fechadas o tempo todo.
Dificilmente se avista alguém na janela ou a descansar na rede da varanda.
As ruas sem pavimentação e saneamento vivem
esburacadas e enlameadas pela água suja que escorre dos canos das casas, muitas
delas de madeira podre ou de alvenaria improvisada. O bairro é cercado por
cinco siderúrgicas, fica à margem da ferrovia por onde passa o ferro extraído
na mina de Carajás, no Pará, e é cortado pela Rodovia BR-222.
“Aqui é um lugar esquecido. Ninguém investe em nada.
Sempre vi a luta de meu pai por melhorias e, como nasci e me criei aqui,
entendo as aflições do nosso povo. São pessoas muito carentes”, diz Josikelly
Alves de Oliveira dos Santos, de 31 anos. Ela é uma das filhas de Angelita,
moradora de Piquiá de Baixo. A família de Angelita é conhecida na região por
ser a única que teve condições de cursar ensino superior. Josi, como é
conhecida, estudou junto com seus irmãos na Universidade Estadual do Maranhão
(Uema), em Imperatriz.
Desde 2008, ela atua como agente de saúde da Unidade
Básica de Piquiá e se divide com mais um colega para dar conta de todas as
famílias do povoado. Só ela é responsável por orientar mais de 150 famílias
sobre como cuidar da higiene e prevenir os malefícios causados pela poluição,
especialmente a do ar. “Visitamos as famílias e damos orientações. As crianças
aqui gripam muito fácil, é uma gripe que não passa. Elas tomam medicação continuamente”,
explica Josi.
Problemas
de saúde
Entre as queixas mais recorrentes da população
acostumada a respirar pó de ferro estão problemas respiratórios, como falta de
ar, cansaço, falta de fôlego e coração acelerado. Na tentativa de minimizar um
pouco os efeitos da contaminação na comunidade, os agentes de saúde orientam
que seus moradores evitem tomar banho no rio e em brejos e não andem descalços
no chão. O cuidado com a higiene pessoal também é estimulado, como lavar a mão
muitas vezes ao dia, tomar pelo menos quatro banhos, forrar os telhados, limpar
diariamente a casa e manter janelas e portas trancadas.
Josi lista problemas respiratórios, doenças de pele
e hipertensão como comuns na comunidade. “Em 2009, quase todas as casas tinham
um caso de pneumonia, além de coceira e hanseníase”. Desde 2008, ela afirma ter
contabilizado dez casos de AVC. “Temos muitos hipertensos”, explica, para
emendar: “Não se sabe comprovadamente qual a relação (com a poluição), mas
posso dizer que há muitos casos para uma comunidade pequena”.
“É comum para quem mora aqui ter o pulmão manchado”,
conta Josi. Além de cuidar da saúde do vilarejo, a agente de saúde enfrenta um
drama familiar. Seu marido, Jucelino dos Santos, de 31 anos, sofre de
“insuficiência respiratória aguda por motivo de poluição ambiental”, segundo
laudo médico a que ((o))eco teve acesso, emitido em junho de 2012, após um
raio-x no tórax ter identificado inúmeras manchas em seu pulmão.
Segundo as previsões médicas, Jucelino não chegaria
aos 40 anos de idade se continuasse a viver em Piquiá de Baixo. Há 5 anos
convivendo com a doença, o marido de Josi faz uso contínuo de diferentes
remédios, expectorantes e xaropes.
“O pulmão dele é manchado, sendo que nunca fumou.
Enquanto a gente não saiu daqui, ele não melhorou. O médico disse que não tinha
mais condições de ficarmos. Ele não dormia a noite, tinha que acordar cinco
vezes para fazer inalação de ar”, lembra.
Jucelino não pode fazer nenhum tipo de esforço
físico. Seu caso é um dos mais graves hoje da comunidade. Por um tempo, teve
que internar-se em São Luís para tratamento.
Indícios
de graves problemas de saúde
Um parecer feito a pedido da Defensoria Pública, em
junho de 2011, pelo Centro de Referência em Doenças Infecciosas e Parasitárias
do Núcleo de Estudos em Medicina Tropical da Pré-Amazônia, da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA), indica graves problemas respiratórios entre os
moradores da comunidade.
O documento informa que “manifestações ligadas ao
aparelho respiratório (tosse, falta de ar e chiado no peito) foram queixas
encontradas em todas as faixas etárias, inclusive com boa intensidade em
menores de 9 anos de idade”.
O relatório destaca ainda que a dor de cabeça é um
sintoma encontrado na população geral e também em crianças. “Manifestações de
que alguma coisa irrita a pele e as vias aéreas superiores e os olhos foi
constatado na maioria dos examinados”. Sintomas de cefaleia foram encontrados
em mais de 60% dos pacientes, assim como manifestações de alergia, “acometendo
as vias aéreas superiores e olhos (coriza e lacrimejamento)” foram encontradas
em 61,2% dos pacientes”, segundo o núcleo de estudos da Universidade Federal do
Maranhão.
E assim, Piquiá sofre com uma população doente e de
graves problemas pulmonares. (Fabíola Ortiz)
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