domingo, 10 de janeiro de 2010

Lula, filho do Brasil industrial?

Avaliação crítica do dramaturgo Jair Alves sobre o filme “Lula, o filho do Brasil”

A primeira questão que se coloca ao término da sessão de “Lula, o filho do Brasil”, é se o filme vai se transformar num clássico nacional e, portanto, referência para futuros estudos sobre a vida do personagem principal, ou se vai cair no esquecimento como a maioria dos filmes que tiveram como pano de fundo um acontecimento ou um personagem histórico.

Diante do impasse, pensamos logo em raríssimas experiências do cinema nacional que, no gênero, deram certo. O exemplo mais contundente nos fez lembrar de "O assalto ao trem pagador (1962), com direção e roteiro de Roberto Farias e protagonizado por Reginaldo Faria; e o recente "Carandiru", de Hector Babenco.

Em linhas gerais, os cineastas brasileiros não sabem (ou ainda não dominam) a técnica de mesclar fatos e interpretação histórica. O tema pode gerar outras interpretações, contrárias, inclusive, a essa que defendemos agora.

Como não há espaço e tempo no imediato, vamos nos restringir a indagar se a obra de Fábio Barreto contou bem a história de Luiz Inácio da Silva (nome de batismo, sem o Lula e sem o g). Nesse particular, a resposta (ao nosso ver) é inteiramente satisfatória, mesmo não sendo uma radiografia de todos os acontecimentos históricos. Verdade, também, que não se propôs a isso e não mente, o que é altamente positivo.

Para desespero dos opositores ou de militantes “mais à esquerda”, a obra da família Barreto não é um filme com pretensão político-partidária, mas uma fita para eternizar a história humana de Luiz Inácio e a sua relação com os acontecimentos históricos do período tratado (45 a 80, ano da morte de sua mãe Eurídice (conhecida como Lindu), e a sua prisão no Dops paulista).

A grande questão que se coloca é por que um inegável personagem, e líder político, com destaque internacional, não chegou às telas pelas mãos de um cineasta com militância na esquerda tradicional. Paradoxalmente, veio a público pelas mãos de uma família de cineastas e produtores de cinema (a família Barreto), com largo currículo no cinema comercial. Até aí nada de errado, com os Barreto, é claro. A não ser que tivéssemos no quadro de cineastas nacionais, algum gênio, capaz de convencer o mais conservador de que a história de Lula pertence a todos nós, e não somente aos seus partidários.

Tratar de questões políticas reais de nosso tempo significaria rachar o Brasil ao meio. "Lula, o filho Brasil" pretendeu uma outra coisa, que o filme não passe desapercebido e, se possível, que se transforme na maior bilheteria de todos os tempos. Se não superar os impressionantes números alcançados por produções de gosto duvidoso, com toda a certeza será visto por mais da metade da população brasileira, para desespero dos opositores do presidente. E a maioria vai se apaixonar! Qual a razão?

A família Barreto, com sua experiência em centenas de filmes produzidos, apropriando-se (no bom sentido, é claro) dos melhores equipamentos e recursos cinematográficos da atualidade, realizou um filme competente, sem deixar “barriga”. Os melhores momentos se concentram numa personagem, até há pouco desconhecida da maioria da população brasileira - o ventre que gerou e as mãos que criaram o protagonista de maior prestígio de nosso tempo.

Falamos de dona Lindu, a mãe de Lula, numa interpretação soberba de Glória Pires. O ator Rui Ricardo Dias, interpretando o protagonista, na sua fase adulta, também surpreende, conseguindo compor uma semelhança de gestos impressionante para quem conheceu Lula, na intimidade. Como trunfo maior, o filme revela várias parábolas, que surpreendem até ao mais ferrenho ateu. Dentre elas, as circunstâncias desumanas em que nasceu e sobreviveu Luiz Inácio, como já dissemos, protegido por Lindu em contraposição à morte prematura de sua primeira mulher, interpretada justamente pela filha de Glória, a atriz Cléo Pires.

A vida de Lula, em verdade, é cercada de muita tragédia, não apenas social, mas também humana. Ele perdeu vários amigos e companheiros de luta política, ao longo do caminho. Esse viés não está presente na narrativa, até porque ela ficaria muito diversificada e poderia atrapalhar o fio condutor na sua jornada até o Palácio do Planalto. Outros filmes sobre Lula virão, é verdade, embora não saibamos se com a mesma projeção desse que teve sua estreia no ano de 2010.

A narrativa nos conduz a um Brasil que se industrializou, transformando a miséria humana e revelando a riqueza material do país. Revela um Brasil católico, generoso, em busca de justiça, ao mesmo tempo demonstrando traços de crueldade social, já em 1980, quando se encerra.

De qualquer forma, lança uma luz sobre o presente e nos faz sonhar (ou ter pesadelos, dependendo do ângulo que se vê a realidade) o futuro. Incompreensível que, mesmo na lista de personagens que acompanham a ficha técnica do elenco não apareça nomes de amigos tão significativos da época da luta sindical. Até colocaram um personagem, mulato, ao seu lado nas lutas sindicais, no entanto, se negaram a chamá-lo Djalma (Bom). Em contrapartida, ganhou destaque um obscuro personagem, pai de dona Marisa, além de outros menos importantes, sob o ponto de vista histórico.

Como dissemos, esse é um filme sobre a vida e parte da obra de Lula, e não a um filme sobre o Lula, filho do Brasil industrial.

Quanto aos cineastas de esquerda, que não ousaram realizar um projeto com essa magnitude, faz parte de nossa tragédia cultural, nada mais. É um filme para ser visto ou comprado (DVD) pelos amigos e inimigos. Não temos dúvida!

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