Ontem, 3 de janeiro, o programa de televisão Fantástico,
da Globo, denunciou a posse e a venda irregular de lotes da reforma agrária.
A reportagem utilizou como base a investigação e o
relatório finalizado pela CGU (Controladoria Geral da União), envolvendo casos
desde o ano de 2000.
Para a CGU, há 76 mil lotes ocupados irregularmente
nos processos de assentamentos da reforma agrária, cerca de 8% do total. Do
total, 38 mil foram usurpados por funcionários públicos, em casos que envolvem
até mesmo um delegado da Polícia Federal e um procurador geral do Estado do
Acre. Há lotes em nome de 8.519 menores de idade, uma prática que revela a
manipulação para aumentar o tamanho da área de uma mesma família, acima do módulo
rural permitido pela lei. Não faltam casos de empresários, precisamente 7.872,
que burlaram a lei de reforma agrária para acumular terras. Há, ainda, 271
casos de políticos que se apropriaram indevidamente de terras que deveriam ser
destinadas à reforma agrária para o assentamento de famílias de sem-terra.
Sobre essas denúncias, o MST esclarece ao povo
brasileiro:
a) Parabenizamos a iniciativa da CGU pela coragem de
investigar e denunciar as irregularidades no programa de reforma agrária,
muitas delas cometidas com a conivência de alguns funcionários públicos
corruptos. Uma prática que se perpetua em todos os governos, inclusive os da
ditadura militar, e que devem ser permanentemente coibidas.
b) Da mesma forma, é saudável e imprescindível a
decisão da atual diretoria do Incra em retomar todos os lotes e redistribui-los
às famílias acampadas de trabalhadores rurais sem-terra. Esperamos que o faça
imediatamente e não com a costumeira letargia causada por entraves políticos e
jurídicos.
c) O MST defende titulação dos lotes da reforma agrária
como Concessão Real de Uso, com direito a hereditariedade, como está previsto
na Constituição Federal. Essa modalidade de titulação impediria o comércio da
compra e venda dos lotes destinados à reforma agrária. É necessário que o
governo tenha a coragem de adotar esse instituto constitucional imediatamente.
d) O MST, tendo conhecimento de casos de
irregularidades nos assentamentos, como os denunciados pelo relatório da CGU,
apresenta-os às autoridades e cobra providências imediatas para assegurar que a
terra esteja em mãos de quem nela trabalha e produz alimentos.
Propomos, ainda, à CGU:
a) Que faça levantamento minucioso sobre as terras públicas
distribuídas, quando não griladas, por grandes fazendeiros e empresários, em
projetos de colonização ou de regularização fundiária, especialmente na região
amazônica. Estas propriedades deveriam respeitar a função social da terra
(CF/1988).
b) Que faça levantamento sobre as propriedades
rurais compradas por brasileiros laranjas de empresas estrangeiras, para burlar
a lei. Recentemente, o MST ocupou uma fazenda 1.400 ha, em São Lourenço (RS),
de uma empresa chinesa, acobertada por esta prática de usar testas-de-ferro.
Até hoje nenhuma medida concreta foi adotada pelo governo. Há dezenas de casos
de usinas de açúcar/álcool falidas, com imensas áreas de terras agrícolas, compradas
pelo capital estrangeiro, sendo desnacionalizadas e burlando a lei.
c) Que faça um levantamento sobre todos os projetos
de perímetros irrigados, na região Nordeste, sob a coordenação do Ministério da
Integração/Dnocs. São corriqueiras as denúncias, nessas regiões, que existem
mais de 80 mil lotes vagos ou ocupados irregularmente por empresários.
Comprovadas as irregularidades, exigimos que esses lotes irrigados sejam
imediatamente distribuídos para o assentamento das famílias de trabalhadores
rurais sem-terra acampadas na região.
d) Que retome imediatamente a posse das terras pertencentes
à União que foram irregularmente apropriadas e usadas pela empresa Cutrale, no
município de Iaras (SP).
e) Que as procuradorias Gerais dos estados e outros
órgãos competentes investiguem a distribuição de terras públicas estaduais, em
especial nos estados da Amazônia Legal, aonde tem ocorrido denúncias
sistemáticas de distribuição dessas terras apenas a latifundiários, políticos e
empresários.
Por último, será salutar à democracia brasileira se
o jornalismo da Rede Globo se despir do seu partidarismo político, de viés
sempre antissocial e antinacional, e contemplar em suas reportagens os casos de
irregularidades envolvendo os grandes proprietários rurais, o agronegócio e,
até mesmo, os casos de sonegação fiscal, que não se restringem ao mundo rural.
O MST apoia e contribuirá com as autoridades para
que todas as injustiças e irregularidades cometidas sejam investigadas e, sendo
comprovadas, sejam punidas. Na questão da reforma agrária, continuaremos
lutando para que as terras brasileiras sejam destinadas ao assentamento das
famílias de trabalhadores rurais para, prioritariamente, produzir alimentos
saudáveis.
São Paulo, 4 de janeiro de 2016
Direção
nacional do MST
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