segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Sexta-feira treze

CRÔNICAS DO PC

Sexta-feira última caiu no dia 13. Para os supersticiosos, um prato cheio, motivo de recusas de executar muitos procedimentos e obrigações, a exemplo até de sair de casa. São pessoas diferentes de mim, que não estou nem aí ou preocupado se existem dias aziagos. De primeiro a trinta de cada mês, para mim não há diferença. Tanto faz como tanto fez, chova ou faça sol.

Estou me referindo à minha pessoa. Não levei em conta que neste mundo convivo com uma mulher cheia de crendices. É a minha secretária Maria Isabel.

Mal o dia amanheceu na citada sexta-feira, 13, e ela já batia à porta do meu quarto repetidas vezes. Acordei esfregando os olhos, assustado, pensando que algo de ruim havia acontecido. Só fiquei mais calmo quando ouvi sua voz avisando, falando alta e aflita:

“Cuidado! Acorde e se benza! Levante-se, colocando primeiro o pé direito no assoalho. Abra a porta com a mão direita, vindo até a mim, andando de lado, e deixe lhe jogar água benta, tudo porque hoje é sexta-feira treze. Quero fechar seu corpo contra os maus espíritos, mandingas, olho ruim e encostos. Trouxe comigo um pai-de-santo que vai fazer um trabalho e melhorar suas defesas”.

Não gostei. Acho que teria pela frente um dia ruim, tendo Maria Isabel em meu pé, supersticiosa que só ela mesma, acreditando estar me protegendo dos maus e agourentos. Para não complicar mais ainda minha situação, e evitar aborrecimentos maiores, segui suas instruções, procedendo como ela queria. E veja a situação que passei.

Ao abrir a porta do quarto, fui aspergido de água benta. O pai-de-santo maluco, usando um regador do jardim, ensopou meu corpo, dos pés à cabeça. Mandou-me parar onde estava, e ficou rodando, fazendo voltas ao meu redor, sapateando e misturando a fala com as línguas “perdgim, motu, soninquê”, de procedência africana, saindo mais ou menos essas frases, que não sei traduzir: “Okondo kaputo xiriroca saraki vibuka. Ogô fubixi Wadji rarrà bik”.

Levantou os braços para cima e invocou as divindades umbandistas, num linguajar esquisito dos cultos iorubanos; ficou rodopiando, chamando xangô, oxum e outros orixás, naquela forma de um charuto aceso, levantando fumaça e atulhado na boca, as bochechas ficando salientes, e apenas sussurrando frases arrastadas, incompreensíveis: “Karwacruyflaxe, vuspywa sic...sic oi...haaa”.

Fiquei assombrado com tantos trejeitos que o homem fazia. Virei para Maria Isabel, com olhar de censura, querendo dizer que não estava gostando daquela maluquice toda. Para mim, não precisavam tais procedimentos. Além de não ser supersticioso, minha fé em Deus bastava para me defender dos males existentes no mundo.

“Tudo bem, patrão”, falou Maria Isabel, enlaçando-me num forte abraço, abarcando a minha cintura e meu pescoço, continuando o relambório, com seu hálito perfumado entrando de narinas adentro.

“Não vou lhe deixar correr perigo. Ficarei perto de você, a fim de evitar fatos ruins”. E eu perguntei: “Que fatos ruins são esses, mulher?”

Maria Isabel sorriu, mostrando seus lindos e perfeitos dentes, naquele sorriso bacana, que só ela tem, explicando, a seguir: “Hoje não poderá passar por baixo de escada, usar cueca preta; tem de pisar primeiro pondo o pé direito na frente, tantos nas entradas como nas saídas; não pegará espelho quebrado, não colocará os pés em cima de sombra de vivente nenhum; evitará contato com gato preto e urubu, almoçará e jantará encostado em paredes, para não ficar de costas exposto a olhos invejosos. Procedendo assim, e pelo que já fizemos de início, acredito, teremos uma sexta-feira 13 sem maiores problemas”.

Não era possível! Pelas superstições de Maria Isabel, eu ser obrigado a tê-la a meus pés o dia todo. E não tive outra solução. Ela não me deixou sair da linha, conforme suas crendices. Nem mesmo tomar um sorvete de doce de leite, para não esfriar o sangue, ficando sujeito a estuporar, depois de pegar sol quente.

Mesmo depois de tantas maluquices, ainda me convenceu para continuarmos juntos durante nosso período de trabalho, garantindo ser o meu escudo protetor. Assim, passei o dia todo com minha secretária me protegendo, benzendo-se de vez em quando.

À noite, fomos jantar juntos. A famosa sopa de pedra num restaurante português. Maria Isabel usando luvas para não ter contato com as mãos de ninguém. Poderia transmitir azar.

Ficamos até meia-noite, tomando seguidas doses de uísque. No fogo, fomos parar em minha casa. Maria Isabel teimou em me acompanhar, entrando de porta a dentro, entrelaçada à minha cintura.

Realmente, agora posso afirmar: Maria Isabel é uma secretária nota dez. Além de transformar-se em meu anjo da guarda, foi concebida para pecar. Fiquei sabendo depois da meia-noite, satisfeitos por termos passado juntos o dia de uma sexta-feira treze, sem maiores incidentes, e aproveitando a madrugada do sábado, dia 14.

Pedro Cláudio Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

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