domingo, 10 de agosto de 2008

Um solteirão, uma solteirona, um casamento

CRÔNICAS DO PC

A notícia correu solta pela cidade dando conta do noivado de Gaspar Bolero e Ana Brito Curvelo, ou dona Cocota, como é chamada, causando grande admiração em todos aqueles que os conheciam. Verdade!

Tratava-se de dois solteirões convictos, que nunca quiseram saber nem de namoro, quanto mais de casamento. Ele acabara de completar 52 anos, e vivia recolhido, na companhia de três irmãs mais velhas, lutadoras incansáveis em tempos passados à procura de um homem para fazer par legal, mas nunca encontraram e ficaram no caritó, “virginhas da silva”.

Nem titias eram, porque, dos irmãos, ninguém ousou casar-se ou adquirir filhos fora do matrimônio, por ser pecado mortal, segundo eles, católicos de primeira linha.

Dona Cocota era professora aposentada. Não informava a idade, mas os mais curiosos deduziam ter ela uns 53 anos, por ter sido colega do prefeito da cidade no período da construção de Brasília, e finalmente sua inauguração em l960.

Só não aparentava ter tantos janeiros, porque sabia viver, utilizando os meios de conduta orientada para se conservar sempre saudável.

Adepta da macrobiótica, sua alimentação dispensava carnes e gorduras. Só comia frutas e verduras, além de fazer exercícios físicos, conservando o corpo numa boa. Maquiava-se tão bem que aparentava ter no máximo 40 anos, vistosa e “boazuda”. Por outro lado, ficou conhecida como mulher séria, de moral, nunca dando chance a homem nenhum tirar qualquer casquinha de seu esbelto corpo.

Quanto ao seu noivo Gaspar Bolero, ninguém tinha nada a revelar sobre sua conduta, apenas os falastrões, linguarudos, que achavam esquisito um homem nunca se aproximar de mulher e não ser “boiola”, além da bagagem expressa no andar, fala, postura e trejeitos duvidosos, acompanhados de requebros salientes de quem não é macho de verdade. Deixa pra lá! Gaspar Bolero pode muito bem ser homem de verdade, a prova ficou em resolver se casar.

De fato, aconteceu. Ele e a professora dona Cocota, em uma tarde de sábado chuvoso, subiram ao altar dispostos a se unirem pelo matrimônio. Preferiram um casamento simples, discreto, presente apenas as testemunhas e familiares.

Os dois passaram a lua de mel numa espetacular vila litorânea, na suíte de um hotel cinco estrelas, que ficava de frente para o mar. Ficaram uma semana numa boa, divertindo-se e, na certa, amando-se, como manda a tradição de botar em dia a escrita de casal em lua de mel, naqueles momentos inesquecíveis, que os antigos chamavam romanticamente de amor a dois, até regressarem à cidade de origem, radiantes de felicidade.

Ninguém se atreveu mais a duvidar da masculinidade de Gaspar Bolero, porque, quando se apresentava em público, era sempre agarradinho com sua esposa, no maior amor do mundo. Isto é, até aquela tarde no recinto de um conceituado restaurante. Só foi um dos cozinheiros da casa avistar Gaspar e ficar exaltado, perdendo a compostura e dirigindo-se a ele cheio de frescuras, naquela de pôr as mãos da cintura para indagar:

- Que é isso, meu bem? Esqueceu o passado? E voltou para o trabalho, fazendo muxoxo.

Gaspar continuou sendo um bom marido e dona Cocota afirmando que ele nunca deixou de cumprir com suas obrigações, tanto de excelente companheiro, como de homem normal, nunca fracassando nas missões dos momentos aconchegantes, e que os mais entendidos afirmam ter ficado para quem realmente tem virilidade.

Pedro Cláudio de Moura Reis (PC)
E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

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